Chuva, lixo e infancia.

Chuva, lixo e infância.

Não era, com certeza, a imagem que gostaria de ter visto de manhã tão cedo. Voltava da feira e parei numa barraca de revista para me abrigar de uma forte chuva. O carro coletor de lixo estava parado bem próximo. Recolhia o lixo do condomínio onde moro. Os garis jogavam o conteúdo dos latões na máquina e junto deles estavam um pai com seus dois filhos, catando tudo que poderia ser reciclado.

Os meninos aparentavam ter onze e nove anos, aproximadamente. O mais velho estava vestido, porém encharcado. Suas roupas estavam coladas ao corpo. Detive meu olhar no menorzinho, só de shorts, descalço... Era um menino raquítico; pele e osso. Tremia de frio, mas não parava de recolher garrafas pet. Nenhum deles usava máscaras nem luvas.

Ao ver aquela imagem, não me contive. Dei as costas e comecei a chorar. Não sei se meu choro era de tristeza, raiva ou sensação de culpa por aquilo. Pensei nas diferenças entre essas crianças e as que habitam o citado condomínio.

Como é época de férias escolares_ férias de julho_ as crianças que são minhas vizinhas, estavam dormindo aquecidas, de pijamas limpos... Ninguém deve acordá-las. Estão descansando. Acordarão lá pelo meio-dia... SILÊNCIO! Ao acordarem, já encontrarão refeição pronta, gostosa e quentinha. Podem até não querer tal refeição e ligarão para um DISK SANDUÍCHES. Elas podem escolher o que comer, o que vestir... Brigarão com seus pais ou empregada por isso. Descer para a rua? Não pode! Está chovendo muito! Podem pegar resfriado, micoses com as águas que correm pelas calçadas, podem escorregar e machucar um dedo. Definitivamente essas crianças não podem sentir a chuva... Faz mal.

As “crianças da lixeira” já estão acostumadas com as intempéries. Já adquiriram imunidade suficiente para tomar chuva e não pegar pneumonia. Andam descalças e não pegam micoses. Caem nas calçadas e nas ruas e não choram mais. Elas cortam as mãos ao separarem o material reciclável do não-reciclável e não pegam tétano por isso. Elas estão imunes!

Estão imunes essas crianças, de muita coisa as quais nem percebemos_ ou fingimos não perceber. Estão imunes contra a escola. Imunes de diversão, do brincar e do prazer. Imunes de vestir roupas novas e limpas. Imunes de afeto dos pais. Imunes de políticas públicas sérias que dêem à infância, aquilo que lhe é de direito: ser criança de fato e de direitos e crescer com dignidade.

São tão imunes quanto os políticos que elegemos. Esses que jogam todos os direitos, para a construção do cidadão, no lixo. É... Pelo menos isso! Ainda bem que as leis, aqui no Brasil, são de papel e papel é material reciclável. Existem políticos por toda parte e em todo o Brasil existem crianças revirando o lixo pra sobreviver. Crianças iguais as que vi hoje de manhã. Infelizmente, elas e o lixo estão fazendo o mesmo “papel”. Viraram tralha; viraram lixo. Sem direito à reciclagem.

Tânia Cristina de Macedo Costa

Tania Cristina de Macedo Costa
Enviado por Tania Cristina de Macedo Costa em 14/07/2005
Código do texto: T34348