QUAL SERÁ O FIM DO JURIDIQUÊS ?


Para a população brasileira em geral, o "Juridiquês" é um idioma tão complicado e incompreensível quanto o Grego, o Hebraico, o Mandarim ou o Russo. Mais do que um idioma, o Juridiquês constitui um verdadeiro abismo entre os profissionais do Direito, presos em seu círculo de formalidades, e o povo como um todo, cada vez mais necessitado de uma Justiça eficiente, clara e célere. Superar tal problema demanda não só uma simplificação da linguagem jurídica, como também uma nova abordagem acerca das funções sociológicas, políticas e econômicas do Judiciário em âmbito brasileiro. Desse modo, é necessário estabelecer parâmetros mais eficazes de comunicabilidade entre os operadores jurídicos e os diversos segmentos sociais, por meio da superação de dois aspectos preponderantes que tornam a linguagem jurídica bastante rebuscada: o histórico e o técnico.


Historicamente, é oportuno ressaltar que o Juridiquês, seja no Brasil ou em outros países, tem características culturais muito atreladas à noção do Direito como instrumento de controle social usado pela e para a elite. Esse aspecto histórico contribuiu de modo nítido para tornar a linguagem jurídica propositadamente inacessível ao povo, mantendo-o alheio tanto ao conhecimento quanto à defesa de seus direitos. Desde a época da colonização portuguesa, apenas aqueles que estavam no topo da pirâmide social brasileira tinham a possibilidade de apreender a linguagem jurídica, por meio do ensino ministrado em universidades da Europa. Com o implemento dos primeiros cursos de Direito no Brasil, mais precisamente em Recife e em São Paulo, no ano de 1827, imprimiu-se a idéia segundo a qual o ensino jurídico constituiria privilégio da aristocracia para a formação de quadros nacionais. Em outras palavras, o Juridiquês brasileiro transformou-se em reflexo das próprias disparidades sócio-econômicas de um país que sempre foi marcado pelas grandes concentrações de renda e de poder nas mãos de poucos, em detrimento de uma maioria miserável e analfabeta.



Nesse sentido, juristas como Rui Barbosa ou Pontes de Miranda se expressavam por meio de uma linguagem rebuscada e prolixa, cuja decodificação só estaria ao alcance de pouquíssimos bacharéis brasileiros, formados para se sobreporem política e ideologicamente às massas iletradas. Ainda no século XXI, o Juridiquês continua sendo um dos mecanismos pelos quais a elite jurídica do Brasil tende a tomar e a impor suas decisões, muitas vezes sem atender às demandas dos setores sociais mais desfavorecidos por uma Justiça acessível. Além desse problema de cunho histórico, outro aspecto intrínseco à linguagem jurídica diz respeito ao tecnicismo hermético que costuma estar presente não só entre os operadores do Direito, mas também entre profissionais de diversas áreas do saber, como a Medicina e a Economia, por exemplo. Por tecnicismo hermético, entenda-se o uso reiterado de termos apenas cognoscíveis por pessoas inseridas em círculos profissionais específicos, de modo a se impossibilitar a compreensão de tais termos por indivíduos que estejam fora dos referidos círculos. Expressões latinas como fumus boni iuris podem soar tão enigmáticas para um economista quanto a idéia de elasticidade-preço da demanda pode parecer indecifrável para um advogado. Assim, torna-se perfeitamente compreensível a perplexidade das pessoas que escutam termos como litispendência ou litisconsórcio e ficam sem saber se tais substantivos designam objetos materiais, bens perecíveis, produtos de beleza ou meras abstrações de juristas mentecaptos.



Os embaraços propiciados pela aludida linguagem técnica do direito costumam ocasionar situações, no mínimo, esdrúxulas. Imagine, por exemplo, o desconcerto de uma senhora que se dirige a um fórum, com o intuito de obter informações sobre seu processo, e pergunta a um servidor da Justiça: Poderia ver um acordeão ? O referido servidor, entre o deboche e a indolência, responde: aqui não é loja de instrumentos musicais, minha senhora. Sentindo-se mal atendida, a cidadã começa a redargüir: mas meu advogado pediu que eu viesse para ver o acordeão ! Ao ouvir tal protesto, outro funcionário se imiscui no diálogo e grita entre pilhas de processos judiciais: Não é acordeão, senhora, é ACÓRDÃO ! A decisão proferida pelos tribunais se chama ACÓRDÃO. 


É evidente que cada ramo do conhecimento possui termos próprios para designar seus objetos de estudo, porém tais termos não devem ser utilizados como meios de se dificultar a comunicação entre os conhecedores de certo tema e a sociedade em geral. Assim, a consciência de que a linguagem jurídica é direcionada a um público heterogêneo deve ser incutida nas atividades de todos os operadores do Direito, pois eles desempenham um conjunto de funções sociais, políticas e econômicas que não podem ser suplantadas por formalismos lingüísticos ou burocráticos. O Poder Judiciário, o Ministério Público e a Advocacia estão a serviço da sociedade e, conseqüentemente, devem lhe fornecer atendimento claro e satisfatório. Nesse sentido, a própria Constituição Federal determina, em seu artigo 13, que a língua portuguesa é o idioma oficial do Brasil, ensejando o entendimento de que os atos do Estado brasileiro, inclusive os judiciais, necessitam ser proferidos em Português claro e acessível aos cidadãos do País.



Da mesma forma que nenhum brasileiro é obrigado a entender Árabe ou Mandarim, ele obviamente também não tem qualquer obrigação em compreender Juridiquês, mesmo porque esse “idioma” não é ensinado nas escolas de nível fundamental ou médio, mas apenas em cursos e instituições de nível superior. Em virtude de todas as idéias até aqui esboçadas, o Juridiquês deve ser substituído pelo Português objetivo e acessível a todas as pessoas que busquem algum provimento judicial. O estilo pomposo e rebuscado que muitos operadores do Direito utilizam para se expressar apenas aumenta a distância entre eles e os segmentos sociais mais desfavorecidos. Em um país que se pretenda minimamente democrático, as formas de comunicação, entre elas a jurídica, devem ser instrumentos de diálogo social e não podem constituir, portanto, um mero fim em si mesmas. Enfim, o Direito não pode ser cego diante de suas necessidades de mudança contínua e, consequentemente, a linguagem que o expressa deve ser compreensível à população em geral.
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