O SUB "CONTRA CHEFE"

Houve um tempo em que se podia trabalhar numa repartição pública e, ao mesmo tempo, atuar como profissional liberal. Bastava, para isto, que os horários fossem compatíveis.

Naquela época o Dr. Flaminio trabalhava assim. No serviço público das 7.00 às 13,00 horas cumpria religiosamente suas funções numa repartição pública, concursado que era desde muitos anos, e, das 14,00 hs em diante exercia sua atividade principal, que era a advocacia. Certamente hão de pensar: - Poxa, mas isto não esta direito. Afinal, se era funcionário público não poderia eleger a advocacia como sua atividade principal. Por esta e por outras é que o servidor público é desacreditado por todo mundo, mais ainda por seu Patrão. - Ledo engano dos que olham a coisa por este prisma- .

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O servidor público de ontem, de hoje, e principalmente o de amanhã, como estamos a ver pelo andar da carruagem, nunca elegeu sua carreira como a principal e jamais o fará. Servidor público aqui, bem entendido, é aquele que pega diariamente no batente, e não os “servidos pelo serviço público”, que pouco fazem, nada entendem, mas recebem o que aqueles deveriam receber.

O Dr. Flaminio trabalhara duro durante muitos anos. Jamais fora reconhecido. Ao contrário, era quase sempre perseguido pelo simples fato de ser advogado e conhecer um pouquinho mais de leis do que alguns colegas pouco afeitos aos estudos, chefes que, via de regra, mal haviam terminado o 2o grau...

Na verdade, o Dr. Flaminio era obrigado a fazer da advocacia sua atividade principal. Era ali, nas intrincadas lides forenses , interpretando e discutindo leis diariamente, que ele sentia-se livre, sem opressão de regimes e sistemas baseados em regulamentos e ordens de serviços expressas com a única finalidade de negar ou pelo menos dificultar o máximo o direito daqueles pobres coitados que dependiam das decisões da autarquia para sobreviverem, não raras vezes, com míseros vinténs, após anos e anos de árduas lutas nas lides diárias da vida.

E, havia ainda, a figura quase sempre folclórica do dedo duro, o “sub contra- chefe”. Todos que trabalham em lugares assim sabem do que estamos falando. Lá, também, não podia faltar este elemento alegre, brincalhão, sempre pronto a servir... Mas diga-se, como na Bíblia diz... “ A Deus e a Mamon...” Não pode, mas ele nem conhecia a Bíblia, acho...

E era chegadinho a algum “tráfico de influência” mal disfarçado mas que, face a sua condição nunca lhe rendera grande coisa.

Esta figura, quase sempre, fica conhecida e chega a um determinado ponto que poucos lhe dão importância; até mesmo seus Chefes os desconsideram. Um zero à esquerda...

É bem verdade que apesar de todo o seu esforço o Dr. Flaminio nem sempre podia cumprir rigorosamente com seu horário. É que os compromissos no escritório estavam se avolumando e, volta e meia, ele tinha que sair mais cedo ou chegar um pouco mais tarde. Tais procedimentos já haviam despertado o interesse do nosso amigo dedo duro...

Certa manhã, por volta das 11 horas mais ou menos, o Dr. Flaminio, atolado de compromissos, deixava a repartição apressado para se preparar para uma audiência muito complicada que seria feita em outra cidade, distante uns 30 km, marcada para as 13,00 horas. Certo que os horários na Justiça nunca são cumpridos. Mas isto é só para Juízes e Serventuários, porque para os advogados eles existem sim.

Ai “ deu-se a tragédia” porque na porta da saída do prédio encontrava-se o nosso herói dedo duro. O tal “sub - contra chefe.”

Com ares de conhecedor profundo dos horários pergunta e diz ao mesmo tempo, em tom de reprimenda, ao Dr. Flaminio:

- Bom dia Dr. Tá saindo cedinho né?

Ao que o advogado, já tarimbado com as tiradas do nosso herói, respondeu, com a precisa presença de espírito que deve ter todo advogado que se preza:

- É verdade. Estou saindo cedo, mas você não tem reparado que, em compensação, todo dia eu chego tarde... E saiu, pouco se dando para o agente 071.

Não é preciso dizer que o “vigiador de servidores” parou, depois seguiu pensando, e penso que até hoje tenta desvendar que tanto mistério havia nas palavras do Dr. Flaminio...

Nelson de Medeiros
Enviado por Nelson de Medeiros em 19/07/2005
Código do texto: T35808
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