Caiu a Pureza em Brasília

A pureza caiu bem defronte do templo budista na asa sul. Havia duas placas nos arcos vermelhos que emolduravam a entrada: pureza e serenidade. A primeira soltou-se com o vento e ficou dependurada sobre a calçada.

Por curiosidade, eu adentrara ao templo onde um monge perorava para umas 40 pessoas, todas descalças, como se fosse uma mesquita. Tirei os sapatos, desliguei o celular e me sentei quietinho numa cadeira bastante incômoda.

O monge falava alguma coisa sobre a amizade, e depois intercalava uma resmungação que era ecoada e intercalada pelos presentes: hummmmmmmmm.... Todo mundo de olhos fechados, respirando fundo, braços abertos sobre os joelhos fazendo bolinhas com o indicador e o polegar. Depois de 10 minutos me deu um siricutico e sai!

A construção era bem bonita. Lá fora, quase bati a cabeça na pureza dependurada. Não pude deixar de comentar com a mulher que passeava com o cachorro sobre a virtude tombada, ao que ela acrescentou qualquer coisa sobre o templo. Você é budista? Sou sim, ela disse. Por que eles ficam resmungando lá dentro? Ela não soube explicar, mas disse que o budismo não era uma religião, que ela mesma, de origem católica, achava que todas as religiões eram legais. Mas se são tão boas e antigas, porque o mundo vai tão mal? Porque viemos aqui pra sofrer, ela retrucou. Acho que não, eu disse, viemos aqui pra viver. E você, não tem religião? Não, mas não sou ateu, nem agnóstico, respondi. Então você é confuso, ela emendou.

Lembrei-me de Confúcio, o pensador Chinês, e de minhas leituras adolescentes. Não importa se vamos devagar, o importante é não parar, teria dito o filósofo que nada deixou escrito (551ac – 479ac), para quem transportar um punhado de terra todos os dias permitiria fazer uma grande montanha. Para ele, não corrigir as nossas falhas seria o mesmo que cometer novos erros. Seus ensinamentos não conformavam uma religião, senão um guia comportamental para ser posto em prática. Consta que ensinara que cada um deveria corrigir a própria conduta antes de se ocupar da alheia.

Voltei minha atenção para aquela senhorinha simpática com o minibuldogue de cara achatada. Ela falava bem, não tinha sotaque, disse ter nascido no Nordeste, mas não quis declarar qual a sua profissão por achar que eu a enquadraria em alguma classificação. No final da conversa se disse uma artista.

Todos somos, retruquei!

Você mora por aqui? Moro, neste templo.

Sem se dar conta, a monja declinara sua ocupação. O Gautama da obra de Hermann Hesse, Sidarta, seria o Buda? Existem vários, ela respondeu; você pode ser um deles. Virou-se, entrou na bela construção e chamou a atenção de um funcionário que cuidava do jardim: arrume de vez aquela placa dependurada antes que caia na cabeça alguém!

Depois, o silêncio e a serenidade solitários dominaram o ambiente daquela ensolarada tarde na ilha paradisíaca e distante.

Nagib Anderáos Neto

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