A JUSTIÇA NÃO É MAIS CEGA....

“Quando as autoridades abandonam o conceito pequeno e mesquinho da “minha jurisdição” e do meu poder”, a cooperação mútua é facilitada e o Poder Judiciário funciona bem”. ( Pedro Valls Feu Rosa, Presidente do Tribunal de Justiça do E.Santo)

Nenhum advogado é pego de surpresa quando se depara com a prepotência e a arrogância de boa parte dos Magistrados brasileiros. Boa parte que, felizmente, não é mais a regra. Hoje é exceção na Justiça “comum”. Digo comum por que na Justiça do Trabalho ela, aos olhos de muitos juízes trabalhistas, está acima de qualquer outra; é diferente. Já escutei um Juiz trabalhista dizer para advogado: “Doutor, fique na sua. A Justiça, aqui, não é como a Justiça comum.” Quer dizer, via de regra, eles se acham superiores aos Magistrados da Justiça estadual. Lá, os adjetivos acima, às vezes acompanhado de velado sarcasmo, se aliam a uma sensação de “deidade” que alguns ostentam. Estereótipos de verdadeiros “Neros da Justiça” que edificam em suas salas de audiências o império da incongruência, dos desmandos e da injustiça.

Pobres advogados que ainda digladiam contra tais “potencias” e subjugam-se às decisões das mais esdrúxulas por medo de perseguições e coisas que tais, oriundas desta confraria, desta irmandade, e, jamais denunciam, jamais reclamam; não tem como – dizem - combater o corporativismo da classe.

Combater, talvez, ainda não, mas denunciar sim, pois existem situações que fogem das raias até destas anormalidades que viraram “normalidades”, e, não podem deixar de serem expostas, ainda que pouco mude.

O fato é verdadeiro, inusitado, e aconteceu na 2ª Vara do Trabalho de Cachoeiro de Itapemirim- ES (terra do Rei, ou seria, agora, da Rainha?) no dia 10 do consagrado mês de maio deste ano (apocalíptico?!) que pressagia mudanças gerais. E como algumas mudanças cairiam bem nos Três Poderes...

Era uma audiência comum, simples, onde a reclamante pedia reconhecimento de vínculos empregatícios em quatro empresas que formam um grupo de prestação de serviços médicos. Alegava que havia administrado todo o grupo por nove anos, apesar de, durante este tempo, ter juntado contratos celetistas com outras empresas nos mesmos períodos, e, cujo total somava onze anos de serviço. Alegava que todas aquelas empresas em que trabalhava lhe davam o beneficio da redução da jornada de trabalho para que ela, então, administrasse o grupo médico, cujo movimento é de cerca de 2.000 pessoas diárias que por elas tramitam. Pela inverossímil historia queria apenas R$ 160.000,00, ou por ai.

A Magistrada, substituta, já começou entrando de sola demonstrando-me sua prepotência, sua arrogância e o seu desprezo por advogados (presumo) por que eu jamais tinha visto tal pessoa em qualquer lugar naquele fórum ou da cidade. Começou pela inquirição (ou seria inquisição?) do meu preposto.

Ficou pior quando viu-se que ela pendia visivelmente e sem qualquer subterfúgio para o lado da reclamante. Mas, até ai tudo seguia mais ou menos nos conformes uma vez que tal tendência é conhecida naquele meio, e a soberba, idem. Mas tudo tem limite. E o meu estourou quando ao pedir um aparte para tentar corrigir uma pergunta tendenciosa que ela fizera ao preposto, a complicada Juíza, sem cerimônia, respondeu: “- Cala a boca que você não está sendo interrogado”. Constrangido, mas já afeito – pelos quase 30 anos de profissão – a “deuses” deste jaez que habitam, ainda, o mundo jurídico calei-me e passei a prestar atenção naquela que se avizinhava como uma teratológica audiência, fadada à total anulação, se não ocorrer o tal corporativismo de que falam ...

Depois que a Magistrada praticamente respondeu – ela mesma – a todas as perguntas que fez , prevendo o tumulto que adviria se continuasse, não quis dar sequência normal à audiência limitando-me a “concordar” com ela como mandava o bom senso. Lembrei-me, na hora, de uma propaganda que anda passando na TV quando um médico pergunta a um paciente: - “E ai, o que fez hoje?”. E o paciente responde: “Eu? Pus fogo em Roma.”, ao que o médico de bom senso retruca: Muito bom, muito bom! e segue a propaganda.

Parece que ela não percebeu a minha intenção que outra não era senão a de efetivar uma Exceção de Suspeição dela, o que realmente foi feito. Acho que não entendeu mesmo por que, por sua conta e risco, passou ali mesmo a adentrar no mérito da questão dizendo que ela mesma- Juíza- já havia trabalhado muito para várias empresas ao mesmo tempo, etc.etc. A revolta contra a vida ( ou sei lá sobre o que) estampava-se em seu rosto, pois a desfigurava.

Assistindo a tão grotesca cena encontrava-se uma advogada, esposa de um dos sócios do grupo e que, evidentemente – por também ser advogada – estava presente observando tudo do outro lado da cancela que separa os litigantes e das pessoas que assistem tais eventos, já que são eventos públicos, e que obviamente tinha interesse no caso.

De repente, não sei se desorientada pela arbitrariedade que praticara de seu pedestal, totalmente desequilibrada emocionalmente dirigiu-se a advogada dizendo-lhe: “– Estou vendo como você ai está torcendo, né:?”

Pega de surpresa, mas vendo o desequilíbrio da encarregada de fazer justiça esta respondeu-lhe: “ Estou torcendo pela Justiça.”

Foi ai que a historia da “cegueira” da Justiça modificou-se, pois que a Magistrada, em tom sarcástico e desafiador, mandou esta pérola: “ Aqui, minha filha a justiça é capenga”...

Quem capengou fui eu, pois, descobrindo que a Justiça não era apenas cega, mas aleijada também, na hora me veio à mente o jornalista Boris Casoy, que ficou famoso por seu bordão na TV. Mas, pensei um pouco e fiquei só na lembrança... Muito bom, muito bom...

Nelson de Medeiros
Enviado por Nelson de Medeiros em 03/06/2012
Reeditado em 04/06/2012
Código do texto: T3703914
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