Gregos, troianos e alemães

Na História Antiga, não foi possível agradar a gregos e troianos. Na versão contemporânea e atualizada, seriam gregos e alemães os divergentes principais. Desafio ainda maior é agradar a gregos, alemães, franceses, espanhóis, portugueses, italianos etc. Seria necessário um verdadeiro Oráculo para predizer o futuro da União Européia e da moeda comum – o de Delfos está temporariamente interditado e provavelmente endividado. A proposta não é apresentar palpites ou previsões. Quero apenas mostrar argumentos e algum bom humor para comentar a crise e os desafios do Euro.

O toque de Midas da administração grega permitiu gasto público acima do que a economia do país sustentaria. Assim como na mitologia, os primeiros momentos foram maravilhosos. Moeda forte, poder e prestígio. O desvalorizado e inflacionário Dracma estava aposentado, morto e enterrado. Tudo ao redor parecia transformado em peças de ouro. A tragédia teve inicio quando, faminto, Midas buscou uma maçã e tentou mordê-la. Incapaz de comer uma fruta literalmente áurea, desesperou-se e temeu a morte iminente, implorando pela reversão do dom. Os economistas podem parecer falar grego para os não iniciados, no entanto política econômica não é mitologia. Ainda que liberais, marxistas e keynesianos classifiquem assim uns aos outros. Não existe almoço grátis para nenhuma corrente ideológica. Nem mágica.

A lenda do leito de Procrusto explica com perfeição a paridade cambial imposta aos países membros com o Euro. Vejamos: Procrusto tinha uma hospedagem. A cama oferecida aos viajantes que escolhiam aquele local para passar a noite era simples e feita de ferro. Durante o sono, o tamanho dos hóspedes era adaptado às dimensões do leito. Em termos muito simples, um sujeito alto seria amputado e um baixinho seria esticado. O resultado certo era morte dolorosa. Adotar uma única taxa de câmbio para economias tão diferentes guarda alguma semelhança com essa história? Países de economia menos eficiente como Portugal, Espanha e Grécia podem adotar a mesma conversão que a poderosa Alemanha?

A união entre países funciona como a lança de Peleu, pode matar ou curar. E boas intenções não bastam. Promessas não serão suficientes. Lembre da história de um que Prometeu e ficou eternamente acorrentado! E os políticos que mentiram, enganaram o povo, estão livres.

Na democracia européia, Ângela Merkel não é Minerva para tomar decisões e desempatar disputas. O voto alemão é fundamental, mas para o conserto ser acertado, deve ser feito de modo concertado! A Chanceler alemã não é Atlas, para carregar o mundo nas costas. Os demais Titãs contemporâneos, colegas da banda do disco Cabeça Dinossauro, são apenas músicos, sem outras capacidades especiais. Ainda que o ex-integrante Arnaldo Antunes me pareça um tanto incomum, não parece um Deus que enfrentou Zeus...

O Euro tem problemas estruturais e conjunturais mas uma ruptura do padrão monetário pode representar a abertura da caixa de Pandora dos nacionalismos europeus. A crise de 1929 contribuiu para a ascensão no Fascismo, em suas diversas formas, no Velho Continente. O esforço comunitário, um trabalho digno de Hércules, permitiu não apenas o apaziguamento de beligerantes históricos como também a construção de um invejável estado de bem estar social na segunda metade do século XX. Foi um movimento de pacificação. A União Européia tem fundamentos políticos. Sua reversão em momentos de crise, com a eventual saída da Grécia, teria conseqüências imprevisíveis. Ainda que de imediato reduzisse a pressão sobre o Euro, poderia ser um verdadeiro presente de grego.

Sem dúvidas, os líderes europeus estão diante de um bicho de sete cabeças. O uso da expressão é tão naturalizado e corriqueiro que podemos esquecer a sua origem. Não foi com o título do filme estrelado pelo Rodrigo Santoro. Vencer esse desafio foi o segundo dos famosos doze trabalhos. No caso do Euro, o Brad Pitt não poderá interpretar o herói novamente, como fez em Tróia. Estaríamos diante de uma décima terceira atividade laboral desse semi-deus? Estou me referindo ao Hércules, não ao ator!

Tal como Dâmocles, o Euro está acomodado sob uma espada muito afiada. Qualquer movimento equivocado pode ter conseqüências desastrosas. Esperamos que as negociações em busca de soluções não sejam como o desgastante e inútil trabalho de Sísifo, eternamente empurrando uma pedra montanha acima e observando-a rolar até o ponto inicial, para então reiniciar o processo. Os gregos tinham muitos deuses. Você pode escolher o de sua preferência e fazer os seus pedidos, porém recomendo que concentre seus pensamentos na dupla Ângela Merkel e François Holande.

Meus caros, acho que a mitologia grega nos ajuda e muito a entender a crise e os desafios do Euro. Muitas outras comparações econômico-mitológicas podem ser feitas. Selecionei as mais fáceis e sobre as quais tenho, ao menos, conhecimento mínimo. A Grécia é um exemplo assombroso de decadência. O berço da democracia conviveu com um regime ditatorial há menos de 4 décadas. A história ensina que passado não garante futuro. O tempo não perdoa uma sucessão de escolhas ruins. Na Grécia ou na Argentina. Bom, eu torço para que a moeda única européia receba, no futuro, o apelido de Fênix. Por fim, uma história muito atribuída aos egípcios, entretanto de origem na mitologia grega: o enigma da esfinge. Espero que os europeus decifrem os mistérios da atual crise, não quero ser igualmente devorado! A conferir!