Pergunte ao taxista

Wilson Correia

Meu sonho sempre foi exercer a docência em universidade pública, republicana. Imaginava-a instituição fazendo jus ao nome: universal, pluri, aberta, coexistencialmente múltipla, com liberdade para o ensino, tempo para a pesquisa, viabilidade para a extensão. Lócus de livre pensar, como acontece a homens e nações que buscam para si o senhorio dos próprios destinos e das condições para serem mais libertos, justos e felizes. E a universidade pública nesse processo a dar seus "empurrõezinhos" nisso tudo.

Por conta dessa utopia, só fiz concurso perto de concluir o doutoramento. A primeira instituição na qual havia sido aprovado para ser professor me chamou para lugar deveras longe, e eu quis mudar. A segunda universidade federal onde havia logrado aprovação para a docência me chamou, e eu, com aquela vontade de mudar e sem temer o novo, aceitei de pronto a nomeação. Foi por isso que, no início de 2010, me mandei para Salvador, certo de que chegaria a Amargosa, cidade do Vale do Jiquiriçá, onde estava se instalando o Centro de Formação de Professores da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Nesse Centro aí eu me encontro desde então. Contudo, naquela primeira vez, ao chegar a Salvador, e tendo perto de 200 quilômetros à frente, aproximei-me do ponto de táxi do aeroporto para ver se conseguia alguém para levar meu sonho à frente. Aí, logo vi o táxi de uma cidade próxima a Amargosa (eu havia consultado o mapa da região com antecedência). Aquele automóvel trazia colado no vidro esquerdo o adesivo que dizia: “Amargosa, meu pedacinho de Brasil”.

Dirigi-me ao motorista:

– Você é de Amargosa?

Ele me disse que não, mas que, para chegar em casa, passaria pela cidade, quase dele, vez que vivia mais nela do que onde de fato residia.

– Está indo para lá?, indaguei.

E ele me posicionou:

– Sim! Estou aqui exatamente para carregar.

Combinado o preço e a hora da chegada, dali a meia hora já estávamos deixando Salvador e tomando a rodovia. O diálogo subsequente foi uma introdução à vida local, inestimável para mim.

– Por que “Pedacinho de Brasil?”, indaguei.

– Sabe como é, né?!! Lula é o cara. Está indo bem nas pesquisas e há, aí, a esperteza de pegar carona na alta aprovação do homem.

– Não gosto de nada “inho”, informei. Isso soa a pequenez e a pigmeísmo tupiniquim. Ao complexo do vira-lata de que nos falava Nelson Rodrigues. Coisa de gente pequena que, por isso mesmo, só pensa miúdo.

– Fazer o que!, exclamou, resignado, o taxista. E emendou:

– Mas nós já tivemos nessa cidade pessoas grandes, viu, professor. Uma prefeita que enfrentou o Carlismo baiano, mudou a história de Amargosa e, por conta disso, vem elegendo, seguidamente, todos os candidatos que lá querem administrar a cidade desde então.

Após ouvi-lo detalhar esmiuçadinhamente esse longo capítulo, voltei a perguntar:

– E por que o câmpus da UFRB veio para Amargosa?

– Ah!, rapaz, essa é outra história, continuou ele a funcionar como memória antecipada daquilo que eu não tinha vivido, mas estava ansioso por compreender. E ele prosseguiu:

– Luta do povo, sabe?! Bolo do qual políticos oportunistas querem seus pedaços, mas nós sabemos que o câmpus da UFRB só veio para Amargosa por conta da história que a cidade tem com a educação, uma história positiva, construtiva, que o povo preza demais. História é o povo que faz!!! E, agora, é bom ver vocês, professores, alunos e outros servidores, chegando para nos ajudar a ir adiante.

O homem era realmente informado.

– E por que se chama Amargosa?

– Por causa das bombas caçadas por ali e que tinham amarginho na carne, comida pela população.

– Ainda bem que você disse “pombas”, comemorei. Se tivesse dito “pombinhas”, já ia concluir que o tal do “inho” havia se encarnado em você também.

Ele riu. Havíamos chegado. Minhas malas já estavam no quarto da pousada onde ficaria até me ajeitar na cidade.

Ele deu tchau e eu retribuí.

Adentrei a pousada imaginando de mim para meus botões:

– Quer saber das coisas? Pergunte ao taxista!