Vivendo a esperança

Há algum tempo escrevi um poema intitulado “Vivências”:

É momento de modificar rotas

Como o vento a desalinhar margens

Enquanto erma, a paisagem se fecha

Lambendo os passos já sepultados

É momento de baixar âncoras

E contemplar a curva do tempo

Até que arrebatada do peito

A dor caia em sono profundo...

(excerto de Vivências, Fernanda Guimarães)

Ainda que nem sempre percebamos, a vida é conflito e contradição. É feita de elos tecidos com as linhas do mistério e da busca, quando nos colocamos como andarilhos pelos caminhos da evolução, e mesmo quando nos distraímos do que necessitamos como aprendizagem. As estradas íngremes, as escarpas e a não compreensão de determinados momentos, que se nos afiguram como encruzilhadas, fazem parte do gigantesco ciclo de composição e transformação da vida.

O que nos diferencia, ao longo da nossa existência, é a forma como resolvemos caminhar, apesar do terreno desconhecido e dos imensos túneis que nosso olhar precisa atravessar, para encontrarmo-nos no mais adiante. E neste tempo em que nos buscamos, as vozes da desesperança e do desistir estão sempre à espreita clamando por nós, desafiando a linguagem da fé e da coragem, que são igualmente intensas e sonoras, quando nos decidimos a ouvi-las.

Nada há de mais redentor que assumir e enxergar a miséria e a grandeza do que somos. Ao final de tudo sempre somos nós a definirmos nossa prisão ou libertação, vez que mesmo em meio a todas as indisposições e contradições do existir, temos a opção de nos oferecermos ao universo como parte integrante da construção do melhor.

Vem-me a mente uma antiga proposta do Zen-Budismo: “nem entender, nem desistir”. Não avançar, não caminhar, não continuar é entregar-se à escuridão, desconsiderando o movimento e mutação do universo. Viver será sempre mais que existir. É construir o que nos falta, mas também ter coragem para demolir nossas mais sólidas resistências e certezas. É estarmos e vibrarmos em fina sintonia com os mistérios do universo, sem nunca perdemos de vista o que nos mantém, sustenta e ampara: a esperança. Outrossim, não devemos esquecer também, que muitas vezes para crescermos, é necessário recuarmos.

Mesmo na dor e no sofrimento, há solo fecundo em nosso entorno. Cabe-nos decidir que tipo de semente desejamos plantar.

Fernanda Guimarães

Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 13/02/2007
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T379782