Riacho Fundo

Trilhei margens do riacho. Riacho seco, riacho fundo.

Abri picadas, fui picado. Transpus a fronteira d'outro mundo.

Varei paredes vivas (ipês, quaresmeiras, angicos e buritis). Traspassei muralhas encapuzadas por neves verdejantes, e cordilheiras de picos cônicos, sobrepostos, com várias matizes.

Aqui, acolá, descortinei outros tons, outras cores; frutos, frutificações, folhas e flores.

Enfolhado, vi-me em destroços sobre um tapete de raízes. Na fonte um nó que cocorocou; astrólogo, tracei um mapa astral com estrelas osculatrizes.

Réptil em solo fecundo, com a destra encontrei apoio no pé do vegetante de olhar feio e carrancudo; cara de pau, corpo espinhento e barrigudo.

Chutou-me o pezão. Era perneta o pernalta. Atirou-me na curva do vento com a mão toda espinhada.

A outra mão, mais atrevida, roçou as ancas d'uma moça que não me recriminou, mas ficou com a tez corada.

Mudo não lhe disse nada, busquei o frescor dos seus olhos com os meus. Sob a cabeleira ruiva escondeu os cílios postiços de cor lilás.

Quando meu silêncio pediu perdão, ela sorriu e me concedeu. Acomodou um broche de azaléias que enfeitava o colo desnudo, o colar de cipós que prazerosamente enlaçava os seios fartos, e curvou-se. Com a cumplicidade da brisa, suavemente, estendeu-me a mão.

Alguém com voz de ventania interrompe o flerte: - Sai da minha sombra, tire as patas de minha amada... acha pouco pisar no meu pé e me ensopar com sua água salgada?!

Fiquei pasmado. O mutante era alto, corpo roliço e dezenas de braços. No mais forte portava um anel de abelhas e na cintura uma casa de cupim. Minha hora derradeira foi anunciada, o dia adormeceu em sombras; precipitou-se o começo do fim.

Recolhi os ossos; ziguezagueei por entre labirintos de galhos, folhas e espinhos. Escalei baixo e alto relevos, removi pedras, naufraguei em mil rios.

Sedento, encontro guarida no colo de uma acolhedora cachoeira.

A donzela de pedras me beijou um gole d’água morna; e a dama da noite me envolve em transparente lençol noturno; e o corpo alquebrado adormeceu...

Sonhei um sonho, um sonho de anjo: sonhei que era TUPINAMBÁ, e que você era só minha, minha princesa JUPIRÁ.

Antonio Virgilio Andrade
Enviado por Antonio Virgilio Andrade em 29/07/2005
Reeditado em 29/07/2005
Código do texto: T38629