Rumos

Rumos

David Fer continuava sem conseguir adormecer, voltava-se e tornava a voltar-se na cama, temia acordar a esposa, já não lhe bastaria não conseguir adormecer como ainda vir a sentir-se culpado por não a deixar dormir. Olhou o relógio da mesa de cabeceira, 02: 14, o constante piscar dos dígitos não enganavam, desejou que a noite atravessasse o tempo o mais rápido possível…

David Fer acordou sobressaltado, estivera tanto tempo sem conseguir adormecer e agora não acordara a horas decentes, olhou o relógio, oh não, afinal eram só 04:05 da madrugada, dormira menos de duas horas e parecia-lhe que tinham passado horas sem fio, ah como desejava que o tempo passasse e pudesse pôr termo ao tormento que, desde as cinco da tarde do dia anterior, lhe ocupava todo o seu consciente, até mesmo o inconsciente, pois tinha a sensação, a certeza mesmo, de ter sonhado com Ângelo.

As horas continuaram a parecer-lhe que nunca mais passavam, tentava não acordar a esposa, enquanto no seu pensamento só o rosto de Ângelo tinha lugar. Foi com alivio que começou a ver surgir a alvorada, mal o sol ameaçasse irromper pelas frestas dos estores semiabertos, levantar-se-ia de imediato, não podia suportar mais aquela ansiedade.

David Fer levantou-se, tomou um banho retemperador, escolheu o melhor dos seus fatos de verão, gravata a condizer a condizer com o fato e com a camisa, sapatos no mesmo tom e saiu, nem sequer conseguiu tomar o pequeno-almoço, ainda ouviu a esposa a insistir para que comesse alguma coisa, mas não conseguiu. Só mesmo um acontecimento capaz de fazer tremer toda a sua vida é que o impediria de estar presente na consagração de Ângelo, apostara muito da sua vida naquele momento, por isso não o queria perder por nada deste mundo.

“ Desejo agradecer a todos os que entenderam dedicar algum do vosso tempo para estarem aqui presentes, podem crer que a vossa presença, e o vosso apoio, é deveras importante para mim, quero agradecer à minha família por me ter impedido de continuar a trilhar caminhos que, sei-o hoje, não eram os mais correctos, quero agradecer a todos aqueles que me foram ajudando ao longo deste percurso, mas quero sobretudo, peço desculpa aos restantes, agradecer ao senhor director deste estabelecimento, Dr, David, pois, tenho a certeza absoluta disso, sem a sua ajuda e sem a confiança que depositou em mim, e que eu nem sempre soube merecer, mas como dizia, não fosse o Dr. David e eu não estaria aqui hoje a festejar esta minha licenciatura, nem sei bem se ainda estaria vivo, pois quando entrei nesta prisão, eu não vivia, simplesmente vegetava. Quero dizer ao senhor Dr. David, e a todos aqui presentes, que tenho a consciência de que chegou a colocar a sua própria carreira em risco, só para me defender e para me ajudar a vencer.

Senhor Dr. David, este diploma é muito mais do senhor do que meu, eu fui apenas o interprete da sua confiança e da sua determinação em cumprir o seu objectivo de vida, devolver à sociedade os seus membros que lhe são entregues, mas, ao contrário de muita outra gente, o senhor preocupa-se em devolver a essa tal sociedade, indivíduos úteis à mesma e não meros ex-reclusos. Bem haja.”

David Fer levantou-se, dirigiu-se ao pequeno palanque onde o ainda recluso e futuro ex, acabava de discursar, sentiu que acabava de saborear o melhor pequeno-almoço da sua vida. Trocaram um forte abraço, um abraço não entre um recluso e o director da prisão, mas sim o abraço entre dois homens que souberam conjugar esforços para que um cidadão pudesse reencontrar o seu rumo de vida.

“É preciso acreditar nos homens para que os homens acreditem na sociedade”

Francis Raposo Ferreira

FrancisFerreira
Enviado por FrancisFerreira em 13/09/2012
Código do texto: T3880483
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