VERDADES INCONVENIENTES

Vamos dar uma espiada no Big Brother.

A noite é escura e o medo ronda as nossas mentes.

Então vamos saber, lá na telinha mágica, se Fulano está comendo, conversando (e o quê) ou soltando "pum".

Obviamente isso irá mudar minha vida, pois assim eu não penso nos problemas e me acalmo temporariamente.

Vamos espiar o "grande" irmão, enquanto as dores ficam lá fora, enquanto os lobos uivam na noite, procurando suas vítimas.

Tranquemo-nos em nossas casas, dia ou noite, e assim trancamos nossas vidas e nossas mentes, prisioneiras do hipnotismo televisivo.

O medo se transforma em excitação, pois sentado em meu sofá, as notícias sobre mortes, assaltos, latrocínios, acidentes e crianças arrastadas em carros não me atingem do mesmo modo que me atingiriam, caso estivesse nas ruas.

E quando for necessários sairmos, já nos armaremos antecipadamente e, ao menor sinal de estresse, soltaremos nossos demônios interiores no primeiro motorista que nos der razão para tal.

Vamos assistir o futebol e esquecer, provisoriamente, as contas, os amigos que nos traíram e o chefe que não nos tem em consideração. Óbvio que o futebol mudará nossas vidas. Ele nos trará uma melhor convivência social, nos guiará ao crescimento pessoal e nos conduzirá a uma nova sociedade, mais harmoniosa.

Vamos fazer fofocas, para que esqueçamos quem realmente somos, olhando os defeitos dos outros e esquecendo nosso profundo e podre poço de orgulho e vaidade.

Vamos tentar sobreviver a qualquer custo, mesmo que passando por cima daqueles que nos mostram consideração e afabilidade, respeito e amizade. Assim, garantida a sobrevivência do corpo, podemos alçar vôo rumo a outros empreendimentos, como um novo DVD, computador ou máquina de fazer café. Máquina esta que nos auxiliará a levantarmos cedo, para outro dia de trabalho, onde continuaremos mentindo ou omitindo, escondendo ou mostrando erros dos outros, escondendo de nós mesmos o abismo que nos aguarda logo lá adiante.

Vamos viver, enquanto é tempo. Vamos aproveitar até o limite, esquecendo-nos de que estamos na iminência de uma guerra nuclear. Esquecendo-nos de que estamos apodrecendo o planeta e nossas mentes, assim como nossos próprios corpos que, inevitavelmente, sofrerão através de um processo psicossomático, graças a nossa conduta "exemplar".

A culpa não é somente dos políticos, não é somente do "outros", mas de todos nós, que formamos a chamada sociedade "humana".

Enquanto isso, os outros animais colaboram, inconscientes, mantendo o equilíbrio ecológico do planeta.

Quem não colabore, pelo menos não atrapalhe.

Vamos voltar ao Big Brother, ao futebol, às notícias trágicas (já banalizadas) e ao trabalho, pois este assunto está muito complicado e, provavelmente, não levará a nada, pois não colocará comida na mesa e não faz a gente se sentir bem.

Vamos viver, sobreviver, enquanto lá fora, o mundo se prepara para acabar com essa sobrevivência... bem rapidinho.