A LÓGICA MENTIRA...

...Eu ouvi ,bem ouvida, esta coisa inesperada:
__Eu nunca menti.
   
    Eu aceitaria isso como pura, indiscutível verdade, se tivesse saído  dos lábios finos, retos, pálidos, de uma exilada da vida.
     Mas tal afirmação, saída, como saiu, de uma boca em que tudo é beijo (que não se pinta: beija o baton; que não bebe:beija o copo; que não fuma: beija o cigarro;que não ri: beija a alegria; que não fala: beija as palavras...), essa afirmação saida assim, de uns lábios assim, pareceu-me a mais lógica de todas as mentiras.
     Lógica?
     Por que não? Só a mentira tem o  direito de convencer docemente, isto é, sem destruir  as raras e frágeis belezas do espirito: a duvida, a inocencia, o sonho...
       A verdade cai na superficie dos seres como pedra bruta na superficie de um lago: se encrespa, brusca, o espelho pertubando momentaneamente o jogo encantado dos reflexos, vai logo ao fundo,sem que ninguém, nunca mais, perceba a sua existencia, enquanto aqui em cima a lisa superficie da água, voltando a calma, continua, indiferente e fiel, espelhando as mesmas variegadas coisas que espelhavam antes. Ao passo que a mentira, como tudo que é leve, alado, aéreo, __uma pétala, uma  folha, , um floco de paina, uma pequena ave...__cai, suave, e vai, vaga, vagando, franzindo a água receptiva, e assim deformando, fantasiando, chamalotando, sonhadora, caprichosa, e vária, os corriqueiros, vulgares aspectos da vida refletida.