INDAGAÇÕES: DE VIDA, DE HISTÓRIA

Indagações: de vida, de História........

Uma professora de História de uma universidade de Lisboa faz um cruzeiro marítimo com sua filha de 7 anos. Ao final da viagem, pretende se encontrar com o marido em Bombaim, na Índia. Diz haver escolhido fazer essa viagem para conhecer os lugares de que tanto fala a seus alunos em suas aulas. Durante o percurso, o navio faz paradas em regiões mediterrânicas que marcaram a história da cultura ocidental. Ao saírem do Porto de Lisboa, a professora começa a narrar à filha fatos históricos de seu país. O relacionamento das duas parece espontâneo e feliz. A menina questiona, a mãe responde com mais História. Assim acontece quando o navio aporta em Ceuta, cidade espanhola encravada na costa africana, que por um tempo pertenceu a Portugal e foi de grande importância como ponto de apoio às navegações. Ocorre quando o navio pára em Marselha, cidade francesa que fora povoada pelos gregos no século VII a.C.. Repete-se na cidade italiana de Pompéia, cuja vida de seus habitantes fora bruscamente interrompida quando, no início da era cristã, o vulcão Vesúvio a cobriu por inteiro. Região que foi redescoberta após anos e anos de escavações, quando suas belas mansões, ruas pavimentadas, nomes de personalidades marcantes, obras de arte, o cotidiano e os costumes de seu povo, vieram à luz. Ocorre também quando o navio chega ao Egito, onde as colossais pirâmides, edificações de cerca dos anos de 2550 a.C ., que até hoje desafiam os conhecimentos e a inteligência do homem de hoje; e em Istambul, cidade situada em dois continentes, parte na Europa, parte na Ásia, que foi cenário da História pelos anos 7500 a.C.. Istambul foi a esplendorosa Constantinopla do império bizantino, antes de ser tomada pelos turcos, lá pelos 1500 d.C.

O capitão do navio fala diversas línguas, conhece quase todos os portos. Às tardes, à mesa do jantar, reúne gente de nações diversas. Falam de suas vidas, de seus desejos, de suas esperanças. Cada um se expressa na sua língua materna e se entendem. Mãe e filha são convidadas a roda. Então, falam de línguas faladas no mundo, da língua grega, que apesar de ter sido a língua base de toda a civilização ocidental é falada somente na Grécia; comentam que a língua portuguesa, por causa das grandes navegações dos portugueses e colonização das terras descobertas, tornou-se uma língua falada em todos os continentes.

Chega um momento, quase no final do cruzeiro, em que a embarcação entra no canal de Suez, que liga os mares Mediterrâneo e Vermelho, última parte de seu percurso. A menina continua curiosa, quem sabe fazendo perguntas que fazemos a nós mesmos quando estamos diante de fatos históricos. Quem foi D. Sebastião? E o infante D. Henrique? O que é um mito? O que é uma lenda? O que é um muçulmano? O que é um árabe? Porque que há guerras? Por que fazem guerras se morre tanta gente?

Sem sinal de guerra aparente, sem razão aparente, aquele navio fora “escolhido” para ser explodido. Se os passageiros foram avisados antes? Foram. Embarcaram em botes vestindo coletes salva-vidas. Sem explicação aceitável, por um atraso também não explicado, mãe e filha não tiveram tempo para deixar o navio com os outros passageiros. Ouviu-se um estrondo, viu-se o fogo. Uma expressão de espanto, de pavor, de indignação surgiu no rosto do capitão. Quem teria o direito de cortar a história de vida de mãe e filha que viajavam ao encontro do pai? Por que o terrorismo? Que diabo de ideologia é essa?

Essa mesma expressão de perplexidade podemos ver no rosto do povo brasileiro ao saber da notícia da morte de uma criança ao ser arrastada, presa num cinto de segurança de um carro. Quem teria o direito de interromper a história dessa vida, de uma família? E pior. Esse é um fato que vem se repetindo dia a dia. Quem de nós não teria um caso semelhante para contar, de um parente, amigo ou conhecido, que tenha perdido a vida ou sido mutilado por um tiro ou outra arma qualquer em um assalto, na maioria das vezes, a troco de quase nada, ou seja um celular, um cartão bancário, uns poucos reais?

O caso do ataque às torres em Nova York. Quem teria o direito de aniquilar cerca de 3.500 vidas, interromper a história de tantas pessoas... A troco de quê? Cada um dos familiares das pessoas que morreram naquele dia deve ter se perguntado: porque aconteceu com meu pai, minha mãe, meu filho, meu amigo, com tanta gente que nem conheço?

Bem que podia chegar a hora do mundo se unir, apesar de todas as diferenças de línguas, raças, religiões, costumes, saberes, em favor da vida pessoal e coletiva. Afinal, em vista da História, a vida de cada um de nós é um período tão curto de passagem por esse mundo... Por que interromper ou mesmo desviar a história individual ou coletiva, se a própria natureza se encarrega disso, no momento devido? Deus, por que? A vida se vai e todas as riquezas, todo o dinheiro, todo o petróleo ficam.

(crônica inspirada no filme “Um filme falado”, do diretor português Manoel de Oliveira, que aos 98 anos de idade pode ainda passar o uma mensagem de indignação a respeito da falta de paz no mundo)

Terezinha Pereira
Enviado por Terezinha Pereira em 27/02/2007
Código do texto: T395145