O PROIBIDO DIARIO SEXUAL DOS HOMENS XXVI – Marie Fredriksson

Que chuva hein? (Eu sempre quis começar algum texto do Diário falando de chuva).

Então imaginem uma chuva forte, densa, pesada mesmo... Assim nasceu o dia 31 de dezembro daquele ano. E só mesmo escrevendo pra ver chuva em um dia cedo, porque eu ver pessoalmente é difícil, meu expediente para levantar da cama vai além disso.

Dali a algumas horas seria ano novo, e Adão Roberto Soares vai passar a virada na praia, na casa dos pais de Flora.

O relógio na prateleira ao lado dos brinquedos indica que ainda é pouco mais de 8 horas, e ai ele cometeu aquele delicioso gesto típico de um domingo ou dia de folga, e que deveria ser praticado por todos: fechou os olhos, mandou o dia tomar naquele lugar, virou para o lado e voltou a dormir. Sonhou, e nas imagens fictícias de sua mente, sua prima Flora ria da sua cara, e ele queria se esconder em algum lugar. Muitas pessoas o olhava, mas só ela ria. Ele acordou assustado e pronto a sair correndo e perguntar no quarto ao lado do que ela tanto estava rindo, mas então lembrou-se que ela já tinha ido para a casa dos pais há alguns dias, e também lembrou-se que era apenas um sonho.

Acordou suadinho, hahaha, sempre quis falar esta palavra, ou melhor, escrever: suadinho. Soa tão pornográfico né? me lembro daquele cena de Titanic de Rose e Jack no carro transando loucamente e aquela mão passando no vidro do carro, o vidro embaçado e os dois derretendo. Coisa linda elaiáaaa.

Robertinho tinha tempo, e adorava aquela preguiça de ter tempo. Ouvia barulhos na casa, ninguém falava mas ouvia barulhos (meio filme de terror isso). Iam para a casa de flora apenas a noite, e curtindo o “nada pra fazer” pegou o diário sexual do seu pai, e abriu encima da cama. Fazia um tempinho que não o consultava. Também não era pra menos, sua vida sexual estava mais parada do que água de caixa d’agua em casa abandonada. (Tudo bem , comparação péssima.)

Abriu o livro em uma página qualquer e o surpreendeu o conteúdo do acaso: “Cuidado, você pode ser trocado por uma mulher!”

Aquilo era um sinal, só podia ser um sinal: primeiro Flora rindo no seu sonho e depois aquilo. O conteúdo era pequeno, mesmo assim fez questão de ler:

Garotas sabem como serem envolventes e sensuais; Garotas tem toque suave, macio, beijo compenetrante; Garotas na maioria das vezes sabe se expressar e demonstrar carinho, afeto e sentimentos através de toque e olhar, e ser compreendida igualmente; Garotas lésbicas sempre têm algum mistério no olhar; Conexão verbal (Geralmente é difícil se comunicar com homens, mas ambas garotas podem ter experiências parecidas e compartilhar); Garotas sabem pontos mais excitantes no corpo feminino e sabem a pressão que devem fazer (sabem onde, como, quando e por que tocar); Sexo oral mais intenso, enquanto o homem não tem o feeling da coisa, abaixo a barba mal feita que arranha; Companhia para ir ao banheiro; Não têm risco de gravidez; Sempre ter companhia para compras (com direito a dicas de moda); – Boas na cozinha; Garotas tem sensibilidade para agir em muitas situações; Garotas saberiam dividir afazeres de casa; Ambas podem ter a experiência de carregar um filho no ventre, e dividir mesmas sensações e experiências femininas; Entre garotas não há espaço para machismo; Melhor apoio emocional (principalmente nos dias de TPM que são do mal); Sabem explorar o melhor da parceira; Têm mente aberta para conversar sobre assuntos aleatórios;

Segundo as anotações de seu pai aquilo eram palavras de uma amiga sapa discursando bêbada em uma festa, sobre como era bom ser lésbica.

(Originalmente, retirei o conteúdo de um site muito legal, que é o Yuri Cupcake)

Ele nunca havia pensado profundamente naquilo, mas a verdade era que não conseguia entender porque uma mulher queria viver ao lado de outra, ou simplesmente se relacionar sexualmente que fosse. Na cabeça de Robertinho faltava algo em uma relação lésbica, algo chamado pênis, penetração. Para ele a relação completa de lésbicas era apenas a preliminar de uma relação hetero. Na sua cabeça não entrava como duas garotas poderiam apenas ficar se beijando e uma tocando a outra. Enfiando o dedo na vagina. E no Diário de seu pai, pelo show da amiga, ela deu detalhes de uma transa:

“...Tudo começa com muitas caricias, caricias ardentes meus caros. Vamos nos beijando e beijando ardentemente, boca, pescoço, orelha, tudo. Os seios a gente deixa um pouco pra lá, porque não se sente nada nos seios, a não ser arrepio, mas os homens é que acha que a gente vai se excitar por ter alguém chupando nossos bicos. Até é legal pra dar uma sensação diferente no corpo, mas libido não tem nada a ver com isso. E ai na hora de um boquete nós temos que ficar duas horas chupando seu pinto, quando na hora de nos chupar, eles ficam cinco minutos e agem feito um cachorro que descobriu a ração que gosta, tentando achar alguma coisa escondida lá dentro com a língua. São uns grossos, idiotas. As mulheres não, elas sabem como a gente gosta, os toques certos e saber o que fazer com a língua. Onde é o clitóris? Algum de vocês sabem? Pois é, vocês acham que sabem, mas outra mulher tem certeza. De daí nós ficamos ali nos chupando muito e depois a gente se reveza nos dedos, e existe a forma certa de usar o dedo e na maioria das vezes nem é preciso enfiar o dedo dentro da pomba, basta tocar a campainha porra. E aí lamber o dedinho é tudo de bom. E tem umas que gostam de dar a bunda, mas eu sinceramente não vejo a graça de ter um dedo enfiado o cú. Eu me amo e por isso sou sapa sim...”

Uau, relato forte! E a verdade seja dita, quem não tem curiosidade de saber como funciona na hora H delas? A questão é sensibilidade, e realmente acreditar que elas podem, conseguem viver sem um pau dentro da vagina, que relação sexual tem um conceito diferente pra cada pessoa. Mas e gozar? Robertinho se perguntava como uma sabia que a outra gozou. E também nada mais excitante no mundo para um homem do que duas mulheres se pegando, era o sonho de todo macho (ao menos na teoria): ter uma trepada com duas mulheres, e no inicio ele apenas assistir de camarote as duas se pegarem e fazerem as exatas coisas que foram citadas ali em cima. Só que claro, enquanto isso tudo pode acontecer de forma discreta (o que não significa que é sem prazer e tesão), sem barulhos e tudo mais, na cabeça de um homem acontece com muitos ruídos, gritos, retorções no corpo, puxões de cabelo, línguas poderosas que chegam a lugares inimagináveis. Línguas que deveriam ser contratadas por encanadores para desentupi lugares bem improváveis, e também com aquelas caras cheias de bicos, olhos de revesgueio, lábios tremidos e maxilares loucos. Uma cena de filme pornô. E nem sabia ainda Robertinho que a maioria das películas pornográficas heteros, eram voltadas aos homens obviamente e das cinco cenas, a do meio era sempre uma cena lésbica, com duas moças que já haviam dado, ou ainda iam dar pra algum cara no filme.

Ele resolveu esquecer aquilo que pensava que era um “sinal” e viveu seu dia, arrumando uma mochila com roupas, ouvindo aqueles foguetes solitários e chatos (Por que alguém solta um foguete que faz apenas barulho? Colocá-lo no próprio rabo seria mais engraçado aos outros). Comida e água a mais para o cachorro (nunca falamos do cachorro deles, que vergonha) e partiram ao final da tarde, já de banho tomado, naquela de só tomar banho na casa dos outros no outro dia (calor mandou um abraço). A camiseta básica branca da Hering estava em lugar de destaque, com ela que passaria a virada. Não gostava de roupa toda branca, era a única peça que tinha.

Chegaram bem recepcionados, cheiro bom de ceia: lentilha com bacon, pernil no rolete, o tio já oferecendo uma cuia de chimarrão, e Flora mais linda do que nunca. Ela pausou o som da sala onde ouvia Roxette e foi cumprimentar a família. O hit “Dangerous e seu contagiante ritmo foi substituído por caloroso abraço. Flora estava com o cabelo curto e assimétrico, bagunçado... Ele conhecia alguém que tinha aquele cabelo, sim, era... Estava quase lembrando, era ela... Marie Fredriksson, a vocalista da dupla Roxette. Nossa, devia estar fã mesmo.

Eles colocaram as coisas em um quarto de hóspedes e Robertinho foi pra sala com Flora onde ela deu play na música e cantava junto, quase que dublando, inclusive com os jeitinhos típicos da Marie. A música acabou, ela deu pause na próxima antes de começar (tem que ser ninja pra fazer isso), e disse que tinha algo a contar pra Robertinho...

Pronto fudeu, tava aí o sonho, puta merda e que o pariu caralho três vezes!

... Mesmo assim sorriu e ouviu atentamente: - É sobre sua ex namorada, a Alicia...

- Sobre mim? – Ele reconheceu a voz e gritou leve de susto, era Alicia em pessoa , na janela da sala. Ela também ficou surpresa e sem reação, ninguém fez nada, apenas ficaram se olhando, até que ela tomou de volta a situação: - Tá, eu sabia que você vinha, nem sei porque me assustei. – E saiu da janela para entrar na casa. Mas encontrá-la ali não era o pior, o pior era o cabelo dela. Estava igual ao de Flora, ou seja, igual ao de Marie Fredriksson do Roxette. Que merda essas gurias estavam usando? Isso tava na moda é?

Tudo o que ele não queria era revê-la, afinal quem quer reencontrar uma ex e tratá-la bem como uma amiga?

- Vocês se conhecem? – Ele perguntou, mas a resposta veio foi da própria Alicia que já estava chegando na sala.

- Bem, essa é a única coisa que eu tenho pra te agradecer, ter conhecido sua prima.

- Vamos para o meu quarto, isso não é lugar pra falar sobre este assunto. – Flora quase implorou temendo um escandalo.

E no quarto, começou o episódio do “Casos de família”.

- Robertinho você foi o único cara que eu namorei, e agora me lembro o porque, porque é difícil achar um cara sensível. E você me deixou traumatizada, você é péssimo de transa, sabia?

- Fala baixo. – Flora pediu, e automaticamente começou a rir da cara de Robertinho, rir descontroladamente.

Tava aí seu sonho, realidade, porque ele era mal de foda. Mas pera aí, essa era a opinião da única garota da sua vida, ele precisava testar mais pra ter um diagnóstico preciso. Mas claro que uma simples opinião feria seu orgulho de macho.

- Ela me ensinou a ser uma pessoa melhor, porque eu até fui bem com você, e não pense que agora sou lésbica, ela simplesmente me ensinou a ser mulher de verdade. A conheci pelas ruas, pouco antes de terminar com você e foi ela que me indicou a fazer isso.

Robertinho olhou incrédulo como um playmobil para a prima (Playmobils são incrédulos? E qual é o plural de Playmobil?)

- Mas eu ainda gosto de rapazes... E ao acabar a frase ela deu uma narigada em Robertinho, as pupilas se encontraram (que lindo isso) e virou um grande beijo, com direito a amasso sobre a cama de Flora. A tal saiu de mansinho e deixou os dois ali, fechando a porta com cuidado. O instinto de Robertinho mandava ele tentar tirar a blusa dela, e ai? Ele tentou e quilo foi um despertador, ela parou o beijo e levantou: - Não, de novo não, você e horrível, eu já disse isso, e chega! Desculpa , mas recaída de ex é foda. – E bateu a porta o deixando ali deitado. Ele até pensou em tocar uma pra aproveitar a ereção, mas nem sua casa era, muito menos seu quarto, deixa o bicho guardado.

A garota ficou por ali, mas se trataram como estranhos, e a mãe e o irmão de Robertinho não a reconheceram, era o cabelo de Marie Fredriksson.

Altas festas, mas 11 e pouca da noite Flora e Alicia haviam sumido. Robertinho teve medo disso, e foi procurar. Numa edícula ouviu uma música alta, era Roxette. E aproximou e espiou pelo buraco da fechadura: as duas garotas dublavam The Look, e depois Spending my time, e depois Listen to your Heart, e ainda Fading like a flower, e então se aproximaram demais e começaram a se beijar, e as mãos correram os corpos. Flora deu pause na música e continuou o serviço. As duas se beijavam muito bem, e aquilo foi excitando o guri. De repente beijos no pescoço, orelha e uma pegada a mais na bunda, com sorriso. Era aquele o momento dele tocar uma... Mas calma, ele tinha perdido a sua namorada para o mundo lésbico, era isso? Só devia ser uma ilusão. Se apoiou bem na porta para espiar melhor pela fechadura, e claro, cena mais do que clichê e real: a porta abriu e ele caiu dentro da edícula. As duas gritaram Flora esperta deu play na música e elas saíram correndo no refrão de Joyride. Pararam no meio da festa de réveillon , Robertinho chegou perto e Alicia começou a gritar descontrolada: - O que foi Robertinho? É isso mesmo se você quer saber, eu virei lésbica! Queria apenas montar uma dupla de covers da Marie Fredriksson, mas ela me conquistou, e descobri que o mundo dos homens não presta! – Já brindavam o ano novo, e pararam com as taças na mão, inacreditáveis ao ouvir a moça, que continuava exaltada: - Eu não preciso ficar sofrendo por sentimentos não compreendidos, eu não precisava sair do armário, mas é assim que eu prefiro. Vocês homens acham que nosso corpo tem uma receita pronta, que é só seguir, fazer as mesmas coisas sempre que estaremos felizes. Não , cada um é diferente e isso deve ser notado e respeitado. E o fato de eu agora ser lésbica não significa que vou mudar meu guarda roupa inteiro, ficar parecendo um macho. Porque eu continuo sendo eu mesma, só o que mudou foi minha preferência. Meu caráter é o mesmo, minhas atitudes e reações são as mesmas. Podem continuar falando comigo, me tratando como gente, porque acima de tudo é isso que sou, mas acho que as pessoas nunca vão entender isso. Mas agora eu sou eu mesma, eu de verdade e estou muuuito feliz!!!! – Ela pegou a garrafa de sidra mais perto e saiu cantarolando, Roxette claro, rua a fora e foi embora, sumiu louca.

Para apagar tudo, o pai de Flora propôs mais um brinde e todos voltaram a agitação. E Antes que alguém perguntasse algo, Flora pegou outra garrafa, puxou Robertinho pelo braço e o levou de volta a edícula.

Sentaram perto da janela, ficaram olhado as estrelas, e ela explicou que as duas se encontraram do nada um dia, antes dela viajar e ela disse que tinha se decidido: não gostava de homens. Por isso não namorava. Tinha tentado com vários caras, e o primo dela era o último.

- Eu sabia que ela tinha probabilidade de ser. A maioria é assim: tem alguma desilusão com homens e “vira”. O erro está em achar que todos são iguais, pois como ela mesmo disse: não existe receita, e acima de tudo somos gente, seres humanos. E daí pra ela não te fazer sofrer e nem ficar te fazendo de mais otário que você já é, aconselhei e insisti pra ela terminar. Foi bom, mas ela me tinha como guia, queria fazer tudo que eu fazia, encontrou uma fortaleza em mim. Eu não pretendia contar isso pra você, mas não tive outra opção. Não por nada, só pra não remoer as coisas. E daí ela vinha aqui na casa do pai e da mãe pra gente conversar e passar o tempo juntas, até que demorou pra gente ficar, e foi só dessa vez que você viu, e nem foi completa. – Eles riram.

É, agora Robertinho sabia como era um amasso lésbico, e tinha gostado, era excitante mesmo, como já tinha ouvido falar. E viu que era idiotice pensar que a tinha perdido para o “mundo lésbico”, afinal de contas ela sempre pertenceu a este mundo, é sempre assim, as pessoas que demoram a se descobrir e viver a vida de verdade, e acima de tudo, de qualquer coisa, somos iguais, somos gente, seres humanos, e o que vale é nosso caráter, nossa atitude. Mais uma coisa importante que ele aprendera com Alicia. E então estava tudo bem. Tomaram a sidra todinha, estavam bêbados e bem olhando as estrelas. Robertinho consentiu as palavras de Flora com um gesto de cabeça e apenas disse: - É isso mesmo Flora, nem tenho nada pra dizer porque você disse tudo... Ah, e seu cabelo ficou muito lindo, bem legal, e também, antes que eu me esqueça, Feliz ano novo!

E já era ano novo mesmo. Se abraçaram, comeram e beberam mais. E ai aquele papo de esperança, prosperidade, feliz isso e aquilo, afinal é sempre bom renovar os desejos, renovar a vida, então: Feliz ano novo!

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 03/12/2012
Código do texto: T4016922
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