Faça uma Careta para a Vida
 
 
Um dia senti dor, uma dor que vem de dentro, mas que estranhamente não está no corpo e sim na alma.
Minha alma era machucada e sangrava dia e noite em uma hemorragia de pesares e lamentações sem sentido e, o pior de tudo, sem nenhuma causa. Eu sofria sem saber por que.
E por muitos anos (na verdade mais de trinta anos, pois desde criança me lembro desse incomodo) sentia aquele aperto no peito, todo o peso do mundo pressionando meu coração. Coração que queria apenas bater e viver, nada mais. Às vezes a dor cessava e eu me sentia livre para viver, mas este alívio era passageiro e momentâneo, vinha não sei de onde e ia não sei pra onde deixando para trás um ser mais machucado e cada vez mais cansado.
Entretanto eu fui teimoso, segui em frente. Às vezes eu me olhava no espelho, nesses momentos a única coisa que queria fazer era chorar escondido, mas sabem o que eu fazia? Fazia caretas, sim caretas! Ficava como um retardado rindo para mim mesmo em frente ao espelho, afinal na vida temos que encontrar um motivo para sorrir, nem que esse motivo seja criado por você mesmo. Descobri que fazer caretas em frente ao espelho ajudava muito e até hoje mantenho este hábito.
 E assim fui levando, por causa de meu comportamento arredio perdi muitas oportunidades de crescimento, falo aqui de todas as formas de crescimento: profissional, intelectual e, principalmente, sentimental. O tempo ia passando e eu não saia do lugar, mesmo querendo muito aquela maldita dor não me deixava, ela me paralisava como a doença que realmente era. E por volta dos vinte anos outra faceta dessa doença começou a se manifestar com força total.
Ainda me lembro da primeira crise de ansiedade, o coração acelerado, a sudorese na testa, a dor na barriga, a vontade de sair correndo, o medo de tudo e o choro que nenhuma careta curava. Pela primeira vez eu compreendi que não teria futuro, compreendi que estava fadado ao fracasso total. Eu precisava fazer algo.
Desde então já foram quatro psicólogos diferentes. Também consultei médicos, mas os remédios para ansiedade apenas me deixavam ainda mais torporoso, por isso não os tomo, também experimentei antidepressivos, mas como eles tiveram a eficácia de um copo d’água eu desisti deles. Na verdade eu me sentia muito mal tomando medicamentos para algo que nem os médicos e nem os psicólogos sabiam dizer o que era, e por outro lado tais medicações baixavam meu desempenho ainda mais. Os medicamentos funcionam sim! Não duvidem disso, muitas pessoas são beneficiadas por eles e muitas pessoas não podem viver sem eles, seria loucura condena-los, mas para um pequeno grupo de pessoas, e eu me incluo nele, os medicamentos não funcionaram.
De qualquer forma as sessões terapêuticas me ajudaram muito e hoje sou grato as minhas psicólogas, pois se elas não tivessem passado por minha vida eu não estaria aqui hoje.
É, eu cheguei a pensar em desistir de tudo, encerrar aquela existência sem sentido. Acho que se não tivesse o apoio de uma terapeuta chamada Alyne, eu teria concretizado tal fato. Graças ao bom Deus tudo não passou de um pensamento e se dissipou como tal, mas olhando para trás eu me assusto, me assusto ao pensar que um ser humano, quando é privado da razão, pode engendrar formas e meios que levem a seu próprio extermínio. Hoje compreendo que o suicídio não é um ato covarde como muitos defendem, vejo de outra forma, vejo como o mais desesperado pedido de ajuda e sei que muitas vezes não há argumento que faça alguém voltar atrás em sua decisão por que é o próprio mecanismo da lógica, o cérebro, quem está doente. Quando fico sabendo de suicídios eu não condeno o suicida, ao contrário, tendo me colocar em seu lugar, tirar a própria vida não é uma atitude covarde, muito menos de coragem, é um ato de uma mente doente.
Por exemplo, acho que ninguém gosta de sentir dor, mas eu mesmo, deliberadamente, já me causei dor. No auge da ansiedade eu chegava a arranhar minha pele com clipes de papel, somente para sentir alívio, como se os cortes infringidos pudessem permitir que algo escapasse do meu ser, algo mal. Pois nesses momentos nos sentimos prontos a explodir e precisamos de uma válvula de escape para aliviar a pressão.
E ela ainda vem, a ansiedade atualmente é o maior de meus males. Me assalta sem aviso e, como uma mulher tarada, quase me deita no chão, me rola de lado e me chama de cachorro, mas aos poucos eu vou aprendendo a conviver com ela, é uma companheira muita chata e inoportuna, mas acredito que ela faz parte de mim, moldou minha essência e minha personalidade.
A outra, que ao longo dos anos eu chamo de depressão, ainda me assalta às vezes, infelizmente ainda não achei uma solução definitiva contra ela, mas sei que tenho que manter o otimismo sempre e quando as coisas apertam eu corro até um espelho e sei que posso encontrar lá minhas tão queridas caretas. É isso que eu queria frisar: se você já passou por isso ou conhece alguém que passou por isso mantenha o otimismo sempre, não importa como, conte piadas, faça caretas, dance sozinho, cante um samba, o importante é rir de você mesmo. Essa é minha receita, e por enquanto tem funcionado.
Outra coisa, faça algo, nunca deixe sua cabeça vazia. É incrível, mas nós somos capazes de coisas formidáveis quando nos dispomos a fazê-las. Eu mesmo nunca imaginei que escreveria contos e poesias em volume tão grande (já são mais de 150 textos publicados no recanto das letras), também já me arrisquei na pintura e até na escultura (fiz uma corujinha de madeira outro dia para minha irmã, hehehe) e, o mais importante eu voltei a estudar, fiz uma faculdade, me formei e hoje sou Enfermeiro. Hoje dedico minha vida a cuidar de outros que sofrem muito mais do que eu sofri um dia.
É, no final das contas nem todo sofrimento é em vão. Devemos aprender com ele.
Bem, sei lá se ficou bom este texto, as palavras foram saindo de forma meio brusca, mas espero ter dado o recado. Quando parecer não houver saída sorria assim mesmo e faça uma careta para a vida, afinal uma boa careta espanta qualquer tristeza.
 
 
Luciano Silva Vieira
Enviado por Luciano Silva Vieira em 12/01/2013
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