Quando as chamas erradas se apagam...

O que será do agora? E de depois em diante? Como se faz pra ter fé nos próximos segundos?

O vazio gritando todo o tempo, o silêncio ensurdecedor. Apenas o nada criando expectativas, contando absolutamente tudo... A dor... A espera... A eternidade.

Ainda tem gente dentre aquelas paredes esperando o fogo passar pra ser liberta, ainda dá pra ouvir gente pisando forte procurando o mínimo de oxigênio pra tentar agüentar mais alguns minutos.

A saída é logo ali, mas onde fica a saída mesmo? E a mistura de tantos medos, o ressoar de tantos saltos, com o cheiro tétrico do desespero impregnando na alma rápido demais, fica difícil chegar a algum lugar, e simplesmente... Não deu pra chegar.

Esperando, produzindo, concentrando-se em minúcias pra perfeição. A camisa, a maquiagem, o sorriso, mais uma noite pra ser feliz de momentos, pra viver o prazer de apenas bem viver entre amigos em mais uma grande noite... A última noite. E quem nunca saiu assim pra se divertir? Com pressa, sem pressa, bem arrumado ou não, combinando os próximos dias faceiros, solicitando mais das férias, num surto saudável de estudante, de quem planeja abraçar o mundo, resolver metade dele, conquistar talvez uma parte.

O fechar da porta, o último olhar nos olhos, o “tchau” que era pra ser Adeus. E eles ainda esperam... Porque cada um de nós conseguiu já em algum momento imaginar como sairia se algo acontecesse, porque cada um de nós já se confortou por não estar em algum lugar, porque cada um de nós, já saiu pra “voltar logo” e demorou bastante, porque cada um de nós já teve medo do pior ser assim tão rápido e bobo, porque cada um de nós já saiu de algum lugar instantes antes de algo ruim ter efeito, porque cada um de nós já conseguiu entrar no lugar errado pensando que era a saída e ficou ainda mais perdido, porque cada um de nós conseguiu se imaginar perfeitamente vivendo esta não vida, e o que você faria?

Os telefones nunca mais serão atendidos. Famílias em uma ultima lasca de desespero, “pra não dizer que não tentaram”, por desencargo de consciência, “porque sempre esteve tudo bem” ligam mais uma vez, pois não sabem que tudo ficou no silencioso pra sempre, as chamadas encaminhadas para a alma que dorme e espera.

Aquele abraço que ficou pra quando voltar, o desencontro que nem deu pra dar um “oi”. O doutorado em outro país, o mestrado ali mesmo com as amigas, seguir carreira, viajar para lá e fazer a especialização. Tocar a empresa da família, não vai dar. Por uma chama acesa, todas estas foram apagadas.

A cena tão planejada, passo a passo, cada segundo quando chamarem seu nome na cerimônia de formatura. Pegar seu diploma,de beca entre os guerreiros que enfrentaram a mesma batalha, poder mostrar ao mundo vitória, a alegria de vencer mais uma luta, o carinho da família, o orgulho de quem lutou mesmo sem entrar no campo de batalha, o suspiro de alívio, a felicidade tão grande, imensa, gigante, incabível... Não vai dar, evaporou com a outra fumaça, porque o destino decidiu encerrar a batalha assim mesmo, um pouco antes da hora e sem avisar... Aquela cena vai ser eternamente só imaginação... Uma faísca que ao invés de acender, apagou. Uma fagulha que ao invés de exclamar, calou.

E o que perguntar quando não há mais nada pra responder? O que se faz quando não há mais nada a se fazer?

A má idéia que foi, a boa idéia que não teve... “Mas e se ele tivesse vindo embora quando ligamos”, “Se ela tivesse ido na outra festa com as amigas”... E se... Tentamos resolver com a probabilidade o que nunca mais será concretizado. Nunca mais, já que essa é a certeza: Nunca mais a brincadeira entre amigos, nunca mais a festa no sábado a noite, nunca mais ter orgulho de si mesmo pela boa nota na prova, nunca mais os papos nos corredores, nunca mais vibrar pela passagem para o próximo período, nunca mais a viagem com um monte de fotos e boas surpresas, nunca mais poder mudar o sonho a hora que quiser.

Ainda tem gente esperando alguém vir salvar, ainda tem gente que não sabe e gente sem coragem de contar. Ainda tem gente assistindo tudo e dizendo: “isso nunca acontece com pessoas como nós”. Ainda tem gente dizendo que se fizessem desse ou daquele jeito... E como sempre a humanidade tem que sofrer, tem que ver de verdade pra de verdade algo fazer.

Ainda tem mãe esperando o filho ligar e pedir pra pegá-lo em algum lugar, ainda tem um salto alto sobre as cinzas esperando a dona voltar e calçá-lo, ainda tem um amigo esperando pra fazer a matricula junto, ainda tem um pai esperando pra dizer que essas disciplinas serão difíceis, ainda tem um corpo apenas esperando pra ser tirado do chão, aquele corpo que tanto se cuidava, tanto se adornava e era elogiado, agora apenas um corpo, apenas sem vida, apenas esperando seu destino. Ainda tem um almoço de domingo esperando pra ser todo em família, ainda tem uma comemoração, um aniversário, uma visita e uma palavra esperando pra que alguém diga que é tudo brincadeira, que aquilo foi mais uma parte do trote e todo mundo vai ocupar sua carteira na próxima aula.

E tudo continuou do jeito improvável, errado: no chão do ginásio, no piso frio tentando fugir, inalando aquela porcaria negra, força pra não se deixar cair, não ser pisoteado, sendo apenas um corpo a ser reconhecido por quem já o conheceu em todos os tamanhos, todas as frases e expressões. Acabou nada certo dentro de um caixão lacrado, processos da existência trocados, com gente amada e estranha chorando ao redor, ainda era tempo de começo e não de fim.

Ainda tem um futuro esperando pra ser convertido em riso, pra ser vivido na tão sonhada graduação... A vida entre o gás tóxico, os gritos de todos os formatos, labaredas de sentido e luzes coloridas, ainda espera.

E o que perguntar quando não há mais nada pra responder? O que se faz quando não há mais nada a se fazer?

O que será do agora? Como se faz pra ter fé nos próximos segundos? E de depois em diante?

Douglas Tedesco – 28.01.2013