Aquele maldito fim de janeiro

Há um período no início do ano em que tudo parece estar errado. É um período abstrato, porém tão palpável e claro aos que tem a sensibilidade para percebê-lo quanto o clima, a época e o “espírito do natal”. É um período sem nome, uma espécie de festa móvel de duração indefinida, mas que carrega em si, ainda que de forma muda, o mesmo equivalente em peso e tradição de um feriado religioso. Esse período sem nome geralmente cai ali pros fins de janeiro, e apesar de valer pra todo o território nacional, é comemorado (ou repudiado com força, dependendo do seu credo urbano) mais ou menos nessa época. Ele fica ali entre um insuportável e pegajoso calor onde nada funciona, e uma incidência de chuvas fortes e persistentes, que ao invés de amenizar a temperatura, traz à fronte de grande parte da população um suor apenas diferente daquele que vem com o calor: o da preocupação. É um período onde a chuva pode derrubar a temperatura, mas também costuma derrubar barracos, casas, mansões, condomínios. Nesse período, até bairros inteiros já deixaram de existir.

Essa época estranha geralmente acontece ali perto do fim das férias escolares. É quando a paciência dos pais já passa dos limites e aquele amor culpado que sentem pelos filhos durante todo o ano os deixa um tanto cansados de tudo. É a hora que pais e mães sentem aquela saudade de ter mais tempo para consumir, alimentar máquinas de cartão de crédito e exibir o melhor relógio ou a melhor bolsa para os colegas que voltam das férias.

É o momento das pequenas revoltas, dos pequenos manifestos com os absurdos mais recentes. É quando o sujeito sente-se preso entre os prazos de vencimento de contas bem mais caras que as do ano que passou. Esgueira-se fantasiado de inocente entre ensaios de blocos de carnaval e de planos frustrados de viagens para lugares onde não há tumulto nem barulho. Retorna-se de férias com areia na bunda, que está quadrada de engarrafamento, inchada de tanta picada de mosquito e arrasada pela diarreia que te deixou de castigo durante 90% do seu período de férias naquela maldita cidade praiana que você jura jamais voltar a visitar nessa época do ano.

Esse período ainda traz consigo o seu quinhão sazonal de tragédias. Algumas naturais outras não, mas todas devidamente vitaminadas, potencializadas pela imbecilidade humana. Cavam-se os destroços, rescaldam-se os incêndios, e encontram-se sempre as mesmas evidências. Desrespeito ambiental, corrupção, negligência, desrespeito às leis, sejam elas dos homens ou da natureza, incompetência, ingerência, desonestidade, abusos, covardias, e as mesmas velhas desculpas de sempre.

É nesse período que todas as nossas falhas, admitidas ou não, de alguma forma voltam como um karma maldito, para assombrar nossa lembrança, para nos mostrar que as falhas não passam sempre em branco. É nessa temporada estranha e imprecisa que percebemos que janeiro pode ser um mês muito comprido, muito sofrido. E que algumas vezes esse sofrimento pode durar. Em certos anos, alguns de nós ficam prisioneiros desse amargo fim de janeiro para o resto da vida. Infelizmente.