A Escolhida.
 

Eu não planejava ser professora e enquanto estudava para isso não achava graça nenhuma. Eu queria ir para a Universidade fazer algum curso muito importante, mas nunca descobri que curso seria esse e por isso quando não me foi facilitada a saída de casa para a cidade grande, deixei para lá. Eu poderia ter feito qualquer curso ligado a Agronomia, mas isso nem pensar.  Poderia também ter feito Letras, já que gostava de escrever e ainda hoje as pessoas pensam que fiz, mas não quis. Ou Pedagogia, para completar o curso de Magistério e subir na carreira, mas ainda bem que não fiz. A partir de certo momento só me interessava uma coisa – aprender a pensar. Por isso fiz Filosofia.

Para que serve esse curso, me perguntavam e eu não sabia responder. Pressionado pelos estudantes que de repente perceberam que o curso não servia para nada, a Faculdade conseguiu agregar ao curso a disciplina História e com isso acabamos também com a autorização para lecionar História e foi isso que acabei sendo – Professora de História.

Sim, eu aprendi a pensar, com isso não querendo dizer que meu pensamento seja sempre certo. Mas sei pensar e por saber pensar não me é difícil reconhecer quando meu pensamento está torto e precisa ser endireitado. Devo isso a Filosofia e também a Logosofia, que refinou o meu modo de conceituar as coisas. Mas quando isso aconteceu? Quando foi que percebi que gostava de pensar, de buscar soluções novas para velhos problemas, de saber com clareza que há muito mais nesta vida do que conseguem nos ensinar? Não sei.

Aprendi que Filosofia é o amor ao conhecimento. É a busca da verdade através da razão. Aprendi que a verdade tem muitas faces e que existe mistério nas coisas que nossa mente não consegue apreender. Mas sente. Que as coisas fantásticas serão simples quando estiverem ao nosso alcance. Mas não sei de onde surgiu meu interesse pela Filosofia.

Para Sócrates a Filosofia começa quando se descobre que nada se sabe. Quanto mais sei mais percebo isso. O meu conhecimento é um grãozinho de areia na poeira do Universo.Platão chegou à conclusão de que o que o levou aos caminhos do filosofar foi a admiração. Para Aristóteles foi o espanto. São bons motivos. Posso ficar com os três porque mesmo sabendo que nada sei eu sempre sinto uma enorme admiração e um grande espanto pelas coisas criadas. E uma necessidade imensa de decifrar os mistérios da Criação.

No entanto lá no fundinho tem uma coisinha me dizendo que o que me levou para essa estrada foi a Religião. Quando teimou em não dar atenção aos meus questionamentos. Quando dizia que Fé é acreditar e pronto. Que sem Fé ninguém iria para o céu. Muitos são os convidados e poucos os escolhidos, diziam. E eu achava uma sacanagem isso, me convidar e não me escolher só porque minha fé era tíbia. Eu não tinha culpa disso, não era responsável. Continuo achando uma sacanagem mesmo tendo descoberto que eu tinha sido uma das escolhidas. Porque enfim compreendi que os escolhidos eram outros: não os que simplesmente tinham Fé, mas os que optaram por buscá-la através do pensamento. Sem dogmas. Sem limites.Contato direto,sem intermediários.

Gosto de me sentir, como Spinoza, como um Pensamento de Deus. Ou como um Fragmento. E é isso que me faz sentir responsável por tudo o que acontece no mundo. Responsável, mas não culpada.Responsável porque acho que tenho parte em tudo o que acontece. Por dois caminhos tento fazer a parcela que a mim cabe. Pelo exemplo e pela palavra. Mais não posso. Afinal sou apenas um pensamentinho, um fragmentozinho. Ah, mas se a gente se juntasse...