Meu Primeiro Amor

Sem ter o que fazer, lembrei do meu primeiro amor. Descobri hoje que o amava muito, muito, muito.

Na época eu tinha entre cinco e seis anos, mas fui morar com ele antes de nascer. Permaneci com ele até os doze anos.

Por que eu o amava? Porque ele cuidava de mim. Muito.

Era forte o meu amor. Muito forte. Um metro e oitenta e cinco de altura. Cento e vinte quilos. Olhos azuis. Muito azuis.

Com gestos precisos colocava-me em seus ombros. Eu era um graveto, comentava rindo. Para mim plantava morangos, pêssegos, caquis, laranjas, bergamotas, uvas, ameixas e os dias.

Carregava-me assim exertada em seus ombros pelas manhãs de calandras virtuais. Os pés quarenta e quatro afogados nas butinas pisoteavam trilhas de sete-capotes, quando estes se despiam, nas narinas anúncio de samambaias virgens, líquens anoitecidos, passarelas de formigas criadeiras, sons de ninhos escondidos, musgos beijados pelo sereno da noite anterior, teias embutidas de luar.

As últimas névoas da manhã adentravam em nossa pele impregnando entranhas de caminhos.

O frio vestia-se de um calor colorido. O som da geada quebrando-se ante os passos do meu amor retumbava em Ré:réc, réc, réc...

Falar do canto dos pássaros seria comum. Para mim basta que ainda os ouça em sonatas uterinas.

O meu primeiro amor, ele cuidava de mim. Enxergava-me. Carregava-me. Banhava-me em águas de rios soturnos. Eu enlevada admirava sua pele que parecia pele de peixe: suave, azulada e mansa. Enxugava-me com canções de ninar e eu adormecia nos braços de um deus.

Meu primeiro amor. Amei-o. Ainda o amo. Amarei para além do sempre. O único homem que respeitou meus desejos.

A inocência é o simples. Caixa de madeira onde guarda-se gravetos e um avô.

Sarah Embaixadora Nena Sarti
Enviado por Sarah Embaixadora Nena Sarti em 23/03/2007
Código do texto: T422920