O DIÁLOGO ENTRE A CEGA E A SURDA/MUDA.



Meu pensamento veio tão forte e imperou-me que eu escrevesse sobre duas mulheres incríveis - as minhas duas avós - a mãe da minha mãe Raimundinha, a vovó Zilda; e a mãe do meu pai Aldemar, a vovó Iraci; esse último nome ai vem da herança indigena, mas em sua certidão de nascimento ela era Maria Madalena de Jesus, semelhante ao meu, para minha honra.

Não quero falar bobagem e nem generalidades então passemos para uma certa situação, fato que se não fosse cômico era, no mínimo, curioso.

Vovó Zilda, ficou completamente cega aos setenta anos, o que trouxe enorme sofrimento, já que ela sempre fora uma mulher muito trabalhadora e dinâmica, era professora, costureira, doceira, catequista, envolvida em trabalhos da Legião Brasileira de Assistência, etc.

Vovó Iraci era surda e muda de nascença, o que não a impediu de desenvolver seus talentos,  era costureira, florista e também muito trabalhadora.

O fato de eu querer relembrá-las aqui e em um mesmo contexto, não se deu tanto pelos seus talentos e nem pelo meu "avovozamento"; antes, pela situação inusitada ocorrida entre elas, a qual sempre quis entender sem lograr êxito.

Saibam vocês que a vovó Iraci, a muda, ficou muito comovida com a situação da vovó Zilda por ter ficado cega e desde então, suas visitas a esta eram frequentes.

Ei! E vocês ainda não entenderam o "x" da questão?
Elas passavam tardes sem fim, tomando chazinho e conversando... como assim?

Como era possível tal comunicação se uma não ouvia e nem falava e a outra não enxergava?

Caro leitor, o que eu posso afirmar e, isso eu digo com uma satisfação sem igual, era que elas, de fato, conversavam...

Salvo uma ou outra exceção, quando a vovó Zilda, a cega; chamava a mim ou a minha irmã Bebel e perguntava?
_ O que ela quer contar? Eu não estou conseguindo entender?

Então, ouvíamos os "bá, bá, blá, bás e piri, pi, piis..." alguns sons guturais, acompanhados pelos sinais de minha vovó Iraci, a surda.

Na ocasião, nada sabíamos ainda das libras (comunicação através dos sinais).

Falávamos para a vovó Zilda, a cega; o que a vovó Iraci, a muda; queria dizer, então o "papo" prosseguia quando da cozinha a gente, em segfuida, saia.

Lá fora daquele ambiente eu e meus seis irmãos ríamos contentes, ficávamos fascinados e perplexos em não conseguir invadir àquelas mentes a fim de descobrir o segredo daquele compenetrado  e fértil diálogo.

Certo dia, a vovó Zilda, a cega; chamou-me apenas para perguntar:
_ Dadá _ era assim que só ela me chamava _ quem a Iraci está querendo dizer que morreu?

Ah minha gente! aquele dia, nem eu mesma conseguia compreender quem era o morto!

Quando isso acontecia, ou seja, quando a gente não a entendia, a vovó Iraci, a muda,  se achava no direito de ficar um tanto quanto irritada. 

Por isso, que algumas vezes chegávamos a inventar fatos para ficar livre daquela tripla agonia: a nossa em não compreender; a da vovó Zilda, a cega, por ficar sem a devida explicação e a da vovó Iraci, a surda - por querer se fazer entender de qualquer jeito e não conseguir.

Acho que daquele "causo" naquele dia eu ainda não tinha falado pra ninguém não... ocorre que eu simplesmente, 'matei' o coitado do seu João!

Madalena de Jesus


Dedico às almas de minha avós.
Saudades eternas