Educação em tempos de angústia

Um aluno grita com o professor dizendo que “paga o seu salário”. Outro diz que vai esperar o docente na saída e “acertar as contas”. Um professor da rede estadual de ensino me confessou que tem medo de celulares, pois já foi filmado mais de uma vez. Por último, uma professora relata a agressão de uma mãe devido à baixa nota da filha. Estes são episódios que se repetem nas escolas, nas faculdades e até nas universidades. Tais acontecimentos, apesar do apelo midiático, tem sido moeda corrente e diante da “naturalidade” com que aparecem ali e aqui, retomo a discussão ressaltando três questões que interferem no cenário.

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A primeira diz respeito ao papel da escola. Não é possível que não seja lugar comum a ideia de que a escola é um espaço sagrado. Por natureza, local de debate, discussão, conflito e conhecimento. A narrativa pode parecer romântica, mas outrora a escola era entendida como instituição de controle social e produtora de violência simbólica. Hodiernamente as escolas, principalmente as instituições públicas, tornaram-se lugares de solução de conflitos oriundos do campo domiciliar ou da rua. Local complicado para solução de problemas. Afinal, professores não são treinados para isso e não tem o mínimo de responsabilidade nesse sentido. Como a “profissão professor” ainda é entendida como sacerdócio tem-se a formação de um acordo tácito no qual à instituição escolar e aos docentes cumprem solucionar problemas que não são produzidos em seu espaço. Daí a precariedade das aulas, dos locais de ensino e a mudança de função da escola que hoje tenta integrar aqueles que estão nas ruas ou em famílias desestruturadas.

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A segunda questão é a relação própria de alunos e professores. Já comentei por aqui a usurpação da autoridade dos professores. Retomo somente a necessidade de limites nas relações com discentes em tempos de desrespeito, banalidade da vida e violência crescente. Sem controle, alunos e alunas tornaram-se verdadeiros tiranos. E, para isso, utilizam dos mesmos mecanismos de poder: organizam grupos, elaboram contra informações, plantam a dúvida e - quando querem - descontextualizam relações que podem resultar em processos ou abaixo assinados. Quando o problema chega aos ouvidos do professor vitimado a sua competência já foi colocada em xeque, amigos e amigas já duvidam de sua reputação e poucos ofereceram ao docente o sagrado e inegociável direito ao contraditório.

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Ouvir o professor ofendido ou mesmo o que ofende é o mínimo que os estudantes em sala de aula deveriam fazer. Sem solução adequada a questão torna-se matéria de direção, coordenação ou chefia de plantão. Esta necessidade de escuta nos leva a última e terceira questão, a relação dos professores com seus pares. A realidade é que se existe uma classe em grande desvantagem frente aos donos das escolas e das elites presentes no poder do Estado, é a classe dos professores. Humilhados em sala de aula, cansados dos descasos e trabalhando na precariedade, poucas são as forças do professor na labuta diária. Isto explica as desistências da profissão, as doenças e os ataques enfurecidos de alguns. De todo modo, o que talvez deprima com força o docente é o cinismo, a deslealdade e a incoerência por parte de grande parte dos próprios professores. Estes, aparentemente, se alimentam da angústia e do sofrimento alheio. Aproveitam do problema criado e crescem diante do colega antes amigo e companheiro de trabalho. Esta autofagia docente opera contra as melhores e piores reivindicações dos professores.

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Desnorteados, a “classe” segue batendo cabeça. Na solidão e no desamparo se apega a tudo e a todos. A solução para este problema não está perto e não vejo quem a possui. Certamente ela passa por melhores salários e condições de trabalho. Por outro lado, pouco ou nada avançaremos se a escola continuar nada mais que um depósito de gente no qual pessoas em desistência de sentido trocam angústias por tapas, socos, empurrões, denúncias, armadilhas e jogos de poder. Neste jogo de interesses muitas vezes escusos todos saem perdendo, e onde todos perdem é lícito afirmar que todos são vítimas e algozes de uma situação que há tempos já saiu dos limites.