Kilimanjaro: a motivação

Talvez você comece e termine a leitura dos relatos sem entender porque alguém gasta tempo, dinheiro e energia para passar frio, ficar exausto e sem banho por 7 dias, dormindo numa barraca. Provavelmente foi mais caro que passar o mesmo período num bom hotel na paradisíaca Zanzibar, destino internacional no litoral da mesma Tanzânia. É uma questão de escolha pessoal. O melhor hotel do mundo nunca permitiria experiência semelhante.

Há muitos anos penso em conhecer essa montanha. Ela não exige conhecimentos técnicos de escalada. Apenas disposição, bom preparo físico. Em resumo, coração, pulmões e pernas em bom estado de conservação. E isso eu tinha de sobra! O leigo pode pensar que quem corre maratonas e além está apto para qualquer desafio no Kilimanjaro. Uma coisa é correr ao nível do mar, em ambiente repleto de oxigênio. Outra muito diferente é caminhar lentamente perto dos 6.000 metros de altitude, mesmo com grande equipe de apoio. O ar rarefeito me preocupava. Eu teria poucos dias de aclimatação, mesmo com a escolha da rota mais longa e adequada para isso.

Meu amigo Paulo “Balboa”, ex-colega de mestrado, me acompanha na aventura. Morando na África como diplomata do Brasil, era a oportunidade dele. A montanha domina os nossos assuntos. Conversas e pensamentos podem desviar de tema momentaneamente, mas rapidamente recuperam o foco principal. É o Kilimanjaro exercendo seu magnetismo.

A parte operacional de uma excursão é extremamente racional. Escolhemos uma boa agência, que paga os melhores salários à equipe. Além de uma questão de justiça e não exploração, é importante para o sucesso da empreitada. Um problema com qualquer um dos integrantes pode comprometer todo o planejamento. Somos apenas uma dupla de participantes com numerosa equipe de apoio: 2 guias, 1 cozinheiro e 7 carregadores.

Em 2009, aprendi que eu tinha sonhos. Depois, comecei a transformá-los em realidade. Sempre sonhada, nunca planejada, a excursão foi retirada da agenda de 2012 em fundação da temporada de chuvas. Então, tornou-se prioridade na organização do calendário do ano seguinte. Agora eu estava a alguns passos, a algumas horas de mergulhar numa experiência desejada há tempos. Como nas revoluções, conhecemos apenas o começo. Ou nem isso... É estranho, mas acho que somos apenas um personagem – talvez o protagonista – da nossa vida. Não somos o roteirista. Ei, uma eventual interpretação religiosa do pensamento é de sua autoria, não minha. Certo?!

Quando o avião ainda se aproximava de Joanesburgo, a primeira escala da viagem, ouvi uma informação interessante. Nada além da rotina em vôos... O piloto informa altitude de 5.890 metros e temperatura de –10ºC. Era uma linda manhã de sol e os indicadores revelavam exatamente as condições esperadas para o cume do Kilimanjaro. Eu ainda tinha os 87 km de corrida da Comrades e alguns dias de trilha pela frente. Olho pela janela e fico bastante pensativo....

Finalizada a primeira etapa da viagem, as montanhas sul-africanas ainda se manifestavam nas minhas pernas quando a cabeça transportou-se para o Kilimanjaro. Aconteceu antes do corpo entrar no avião, inicialmente rumo ao Quênia. A meta seguinte era conhecer o teto da África, quase 6.000 metros mais elevado que os oceanos. No trecho Joanesburgo – Nairóbi, avistamos o Kilimanjaro pela janela do avião. Observá-lo de um ângulo superior é mágico. A montanha é convidativa, majestosa, elevando-se imponente diante do relevo de vales e planaltos ao redor.