O BRASIL NÃO É DE TODOS

O BRASIL NÃO É DE TODOS

Maria Teoro Ângelo

Quando entrei naquele restaurante nem reparei como estava o céu. Já era noite e me contentei com o vento fresco que soprava. Pedido o jantar, fiquei observando a toalha impecavelmente branca e bem passada e a maneira cortês e formal do garçom. Em dado momento, contrariando a atitude até estão esperada, ele interrompeu o meu jantar e veio me dizer que estava chovendo. O tom da voz e o entusiasmo que tomavam conta dele não eram a simples constatação de que chovia. Era como se estivesse ganhando um presente. A chuva mansa que caía era a mesma chuva que ele devia ter esperado anos a fio lá no Nordeste, a chuva que não vinha e que motivou a sua retirada da terra natal vindo tentar a vida em terras mais promissoras. Aquela chuva ainda significava para ele o seu sustento, a manutenção de seu emprego, a sua salvação.

“ Está chovendo!” Ele me brindava com a frase perfeita para coroar aquele fim de domingo. . Está chovendo, dito daquela forma, era feito de esperança, de crença no futuro. Para outros retirantes, que se amontoam nas favelas das grandes cidades, a chuva, também outrora desejada significa agora o prenúncio da catástrofe, das enchentes, dos desmoronamentos e da perda do pouco que conseguiram.

Vendo o meu interesse pela conversa, falou mais. “ No Piauí está chovendo, mas na Paraíba a seca está matando a plantação.” Aquela chuva inesperada vista da janela revivia um sentimento . Ele, embora tivesse se arranjado , tinha deixado lá longe o seu coração. A chuva só serviria se caísse também no solo do lugar de onde viera.

Há alguns anos visitei o Nordeste. Os guias turísticos não deixavam de dizer que há grande potencial no solo de lá. Quando convém a imprensa mostra os açudes e os campos verdes nas fazendas de alguns afortunados e a miséria que advém da seca para quem a água é eterna promessa nos discursos dos candidatos. Em algumas áreas, com a irrigação, tenho sabido que há grande produção de frutas e que são exportadas. Em algumas e para alguns determinam a restrição do que deveria ser para todos.

O Brasil idealizado romanticamente, nosso céu, nossos rios e florestas e a terra , que garante o pão, o Brasil apresentado nos relatórios dos governos, os bons índices econômicos, o lado bom, os cartões postais, as imagens de propaganda são de fato um Brasil que poucos têm.

Com a crescente ameaça de que em poucos anos a água vai faltar para todos,de que o calor vai transformar áreas em desertos, não seria justo só assim compartilharmos da mesma sorte. Ainda há tempo de dar de presente a chuva ao Nordeste, a chuva invertida, que goteja do chão, que tinge a terra de verde e que garante o sustento e a dignidade, a inclusão e o direito. 10/04/2007

Lillyangel
Enviado por Lillyangel em 10/04/2007
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