O garoto da Viela

O Garoto Da Viela

Caminhava pela viela, de cabeça baixa demonstrando dúvida ou anseio. De vez em quando se abaixava e tomava alguma coisa do chão, que estava coberto pelo capim seco e folhas arrancadas das árvores retorcidas. Limpava-as com avidez na calça esfarrapada que cobria só parte de seu corpo, pelos grandes rasgos e falta de tecido. Cuspiu na mão e esfregou-a com sofreguidão no objeto apanhado do chão, que não passava de pedras ou tampinhas de garrafas. Mirou-o nos detalhes e girando-o pelas mãos, até chegar à conclusão se valia a pena guardá-lo.Quando chegou ao consenso do valor do objeto, abriu um largo sorriso que, quase tocou as orelhas, de um lado ao outro, e o colocou no bolso da puída peça de gins que lhe cobria, parcialmente, a nudez, da cintura para baixo.

Olhando de longe, nada mais víamos do que mais um “moleque” que saiu logo cedo de casa para não se envolver na briga dos pais Mas quando me aproximei, percebi que não passava de um garotinho de mais ou menos sete anos, com uma expressão de desconfiança ou medo, estampada no rosto. Aproximei-me cautelosa e lhe perguntei: –Qual é seu nome? Ele levantou a cabeça, vagarosamente, parando de repente, como se algo amedrontador o aguardava. Com o olhar fixo em meu rosto, sem piscar, com medo de desviar a atenção e ser atacado, ele mordeu os lábios e manteve-se em silêncio. Perguntei-lhe novamente: Você deve ter um nome, assim como todo mundo, não tem? Quero saber se é o que estou pensando que seja. Pode me falar? Se for o que estou pensando, te dou um doce.

Sua testa, automaticamente, criou rugas e seu olhar agora não era um olhar de desconfiança, mas, de curiosidade. Tentei aproximar-me mais um pouco, mas ele se afastou, rapidamente, alguns metros de mim, pondo-se em segurança. Eu disse-lhe: Não tenha medo! Só quero conversar um pouco com você. O que você tem nos bolsos? São moedas? Talvez pedrinhas! Eu também adoro colecionar pedrinhas! O garotinho levantou a cabeça, num ímpeto, e deu um passo para frente, em minha direção. Tinha no rosto um leve sorriso e seus olhos passeavam de um lado para o outro, cheios de curiosidade. Deu mais um passo, quase se aproximando de mim. Estendi a mão, com avidez, em sua direção, mas o garoto recuou assustado e num ágil girar de pernas, embrenhou-se pelo cerrado, desaparecendo na curva do caminho.

Naquela noite não conseguia dormir, imaginando onde estaria a pobre criança. Logo pela manhã, quando notei estava no mesmo beco e ansiosa para encontra-me com o garotinho. Andei uns dez minutos, por entre troncos caídos e galhos retorcidos. Minhas pernas já doíam e sangravam, feridas pelas estocadas dos espinhos. Quando do nada, vejo aquele rostinho, semi-escondido por trás de algumas folhas. Ele sorriu para mim e entreguei-lhe um lanche. A princípio, manteve-se ereto sem pegar o lanche. Com muito cuidado eu disse-lhe: –Vou deixá-lo aqui. Quando tiver fome, deve comê-lo. Ok? Mas ainda quero saber seu nome! Distanciei-me um pouco e pude vê-lo devorando, avidamente, o lanche deixado por mim.

No outro dia, não pude deixar meu trabalho antes do horário. Só depois das cinco horas dirigi-me para a viela. Lá estava sentado o pequenino, numa pedra, com o rosto todo molhado de lágrimas. Dava-me a impressão que havia aguardado por mim, por muito tempo. Aproximei-me com cuidado e com voz terna disse-lhe: Já posso saber seu nome? Ele levantou a cabeça que estava apoiada nos braços e sorriu para mim, secando as lágrimas. Sua expressão era de alegria misturada à curiosidade. Com os olhos brilhando ele perguntou-me: –Onde está meu lanche? –Primeiro o seu nome. O garotinho olhou-me com desdém e com voz triste, expressando decepção, disse-me: –Você é igualzinha aos demais. Como te odeio! Ele deixou o local andando, vagarosamente, sem olhar para trás. Ainda pude gritar: Desculpe-me! Eu só queria saber seu nome, mas, vou deixar seu lanche, aqui. Quando tiver fome deve comê-lo.

Não retornei no próximo dia. Não sabia como seria recebida, mas, não conseguia deixar de pensar naquele garotinho, vivendo sozinho, numa floresta recortada por uma trilha.

Dois dias depois, retornei ao mesmo lugar. Depois de mais de meia hora procurando pelo garoto, ouvi um barulho por trás dos arbustos. Lá estava ele, sentado na pedra. Parecia-me muito cansado e triste. Aproximei-me devagar e, cautelosamente, eu disse: Eu trouxe seu lanche. Quer comê-lo agora? O garotinho levantou a cabeça, vagarosamente, com os olhos perdidos no espaço, a boca semi aberta, olhou-me seriamente. Levantou-se com alguma dificuldade e limpou o que sobrava da calça em seu traseiro. Deu um passo à frente e levantando a cabeça o máximo para ter a visão do meu rosto, sorriu para mim.

Aproximou-se de mim, lentamente, como se já fôssemos velhos amigos. Como um animalzinho de estimação, foi se enroscando, delicadamente, em minhas pernas e em alguns minutos beijava-as. Ainda aconchegado a mim ele disse-me, numa voz sumida: Por que demorou tanto? –Olhando para cima ergueu os pequenos bracinhos em minha direção. Eu o tomei nos braços e envolto ao meu pescoço ele disse-me, numa voz suave e sonolenta: – Quero ir para casa, estou cansado, preciso dormir!

Ester Machado Endo

mendo
Enviado por mendo em 15/02/2005
Código do texto: T4471