Segunda-feira magra ( Crônicas da Amendoeira )

Meu tio diria macambúzio. Marcela, por telefone, sugeriu-me depressão, esse mal que apavora. Mas estou quase convencido de que sofro de preguiça aguda pelo trabalho. O amigo – e patrão – Rodrigo passou aqui por casa e levou um trabalho para distrair os alunos e amenizar minha ausência. No entanto, o dia promete. Dona Neli resolveu espanar a casa inteira obrigando-me a manobras pelos cômodos, no que sou acompanhado por Marrenta, Nina e Frida, as fiéis escudeiras quando se trata de largar o corpo aqui e ali. Wilson, meu sogro, resolveu aparar o jardim e, nessas horas, é preciso conviver com a sinfonia de enxada e máquina de cortar a grama. E só de vê-los zanzar pela área, pareço mais cansado ainda. Sei que tenho fama de molenga para assuntos caseiros, mas a bem da verdade nunca escondi esse defeito de ninguém. Nessas horas, como o famoso personagem, sempre “ prefiro não fazê-lo”. É claro que o dia se agiganta e chega a ganhar ares de eternidade, o que pode parecer um ócio desnecessário para muitos. Mas ocorre que sequer um bom livro consigo ler. Sinto inveja do meu irmão que, nessas horas, deita-se com Bilac, José de Alencar, Lima Barreto e deles extrai o sabor da boa crônica que lhe enche o dia. Quanto a mim, não consigo. Vou do sofá da sala à rede da varanda; passo pela cama do quarto e volto ao computador em busca de novidades que, em horas cinzas assim, raramente aparecem.

Hoje é aniversário da cidade, portanto, feriado. Mas quem disse que me animo a ir lá fora, visitar o quisque da Maura ou a bendita Amendoeira? Deixo-me plúmbeo como o céu que ameaçou chuva o dia inteiro, sem que uma única e singela gota viesse adornar as rosas de meu jardim que não param de brotar.

Agora mesmo minhas cadelas espraiam-se na cama. Provavelmente descansam da dura labuta que é dormir o dia inteiro. À guiza de aviso aos incautos, arriscam algumas idas ao portão embora sejam econômicas nos latidos. De minha parte, deixo-as. Talvez a Olívia, quando chegar mais tarde, se encarregue de brigar com elas por conta de eventuais bagunças.

Decido que irei à rua. Levo a roupa para o banheiro, verifico a temperatura da cerveja na geladeira, acendo um cigarro e volto para o computador. Duas novidades se apresentam. A primeira é estar eu escrevendo sobre um assunto que não tenho; a segunda, de usar direto o apetrecho eletrônico sem passagem prévia pela folha do caderno. Èta, diazinho besta! As provas por corrigir ficarão por corrigir. Amanhã descubro as desculpas e empurro com o dedo sua inadiável entrega.

Um súbito trovão levatou-me da cadeira. Vou à área e resgato as três toalhas para que o trabalho de dona Neli não resulte inútil. Como me molhei um pouco, certifiquei-me da absoluta necessidade de estar em casa agora. Do contrário, quem se enxugaria logo mais após o banho?

Aldo Guerra
Enviado por Aldo Guerra em 22/04/2007
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