A Ressurreição
Até esse meio de ano já morreu um bocado de gente boa aqui na Grande Nação Pindoba. Uns famosos outros nem tanto. Por alguns, dobram os sinos; por outros nem tanto. Entre todos os mortos desse semestre destaco a velhinha de Taubaté. Morreu aos 90 anos. Não sei a causa de sua partida para a “cidade dos pés juntos”, porque não foi revelada. Assim suponho ter sido pelo adiantado do tempo. Isso pouco importa. O que interessa é que ela sempre manteve sua crença em homens inacreditáveis. Gente que não se pode confiar; ministros, prefeitos, governadores, secretários em geral, políticos de qualquer jeito, origem e propósito.E presidentes, porque não? Gente que no discurso ideológico não guarda espaço para a ética, pois afirmam que a política é dinâmica, muda como mudam de formato as nuvens. É o que eles dizem.
A velhinha de Taubaté sempre acreditou neles; não foi e nem será a única, é verdade. Spr att e ant, blz (sempre atenta e antenada, beleza – que é como escreve(!) seu neto no MSN) em março de 2000 ela ficou toda faceira quando leu: “felizmente o povo brasileiro está ganhando consciência cada vez maior de que é necessário combater radicalmente a corrupção no país(...) quanto mais eu vejo denúncias sérias de corrupção, mais eu me orgulho do papel que o PT tem desempenhado nessa luta.” Sorriu e sentiu-se confortada. Passou-se um ano inteiro e ela, ali; firme em sua crença, ainda mais depois que leu “muita gente, ao ver tudo isso sendo revelado pela imprensa, fica decepcionada com o Congresso e com a política de modo geral. É exatamente isso que os muitos conservadores e corruptos querem que o povo pense: que todos os políticos e todos os partidos são iguais. Mas isso não é verdade”. Ela tinha certa dificuldade de entender o que tinha lido, do jeito que estava escrito, assim na primeira passada de olhos. Releu, agora com calma, e concluiu que, de fato, “o inferno são os outros”.
A velhinha de Taubaté sempre teve fé, esperança e praticou a caridade sem nenhum interesse. Aos domingos, esperava com ansiedade juvenil a chegada de seu exemplar de Zero Hora. O jornal gaúcho lhe chegava às mãos por volta do meio dia, pois a distância entre a boca da rotativa e sua casa era grande e ela não tinha internete com banda larga; só discada e grátis. Pois de pronto abria na página de ZH para ler o artigo dominical do presidente de honra do PT, senhor Luiz Inácio Lula da Silva.
“Aqui no Brasil (ele ainda não dizia "nesse pais")essas evidencias de que as políticas neoliberais carregam um padrão de corrupção eleitoral não são novidade. O presidente FH empurrou para baixo do tapete todas as denúncias de compra de votos pelo seu governo para aprovação da reeleição. A cada novo escândalo anunciado, realiza uma nova operação abafa.Mesmo quando seu braço direito, Eduardo Jorge,( era ministro da Secretaria Geral da Presidência) foi denunciado.” A velhinha de Taubaté balançava a cabeça afirmativamente. Em um outro domingo, leu contrita mais um artigo. E depois, no dia 16 de julho de 2000, mais outro e ficou a pensar sobre um trecho intrigante desse artigo do senhor Lula. Ele escreveu(!): “O corrupto, além de roubar dinheiro público que deveria estar sendo usado em obras e serviços para melhorar a vida da grande maioria do povo brasileiro, destina parte do arrecadado para fazer a corrupção eleitoral. A sociedade não pode encarar mais esse escândalo como coisa banal, corriqueira, pensando que isso não tem jeito e sempre foi assim. Tem jeito, sim. Há políticos sérios e comprometidos com a ética e com o bem público. O PT não faz milagres nem é formado por santos”. Desde esse dia ela ficou encafifada com o que acabara de ler.
Alguns anos depois, e depois de ter votado, mesmo não sendo obrigada a fazer isso, comemorava, enfim, a vitória do arauto da esperança sobre o dragão do medo. Dois anos depois, porém, um mensalão enorme e retumbante explodiu como um colosso impávido sobre o céu de Brasília. Estão roubando de novo? – pensou e se perguntou atordoada. Também a vizinha se perguntou: será? E depois toda a cidade, e mais outra e depois 53 milhões de eleitores em todos os recantos do país indagavam incrédulos: será? A velhinha de Taubaté procurou seus recortes de jornais antigos guardados numa pasta vermelha e encontrou. Estava lá: “O PT não faz milagres nem é formado por santos”.
Como não? – perguntou-se desiludida, pela primeira vez. Depois se calou para sempre.
Acabou a história? A crença terminou? – perguntam-se todos em todos os recantos da Grande Nação Pindoba.
A velhinha de Taubaté morreu em agosto, o dito mês do desgosto. Porém já ressuscitou. Uns 3 dias depois de sua morte, ao que parece, foi vista na Chácara do Visconde e depois na W3 em Brasília. Estava zangada, indignada e não quis falar com ninguém. E a passos largos e mais firmes do que nunca, foi-se pelo Eixo Monumental em direção a Praça dos Três Poderes.