Kare,um episódio inusitado.

*Kare-um encontro inusitado

Voltava eu toda enregelada do teatro em Londres,na segunda vez em que assisti Cats,espetáculo que me deslumbrou,aliás ,o de Londres é melhor que o de New York,quando patinei no gelo da calçada e dos bolsos do casaco de peles sintético,que graças a Deus levei , caíram uns pennys e uma libra no solo e eu com tanto frio,segui em frente,quando um homem alto de um metro e noventa,claro,de nariz fino e olhos azuis,careca mas de idade baixa(54)anos,bonito ,afinal, veio correndo atrás de mim na neve e na escuridão londrina dizendo:-Miss you lost!

Usava um enorme sobretudo e se notava que estava de terno e gravata por baixo,em uma combinação de cinza e preto muito elegante e agradável. Perdí o medo do estranho ou desconhecido pois estávamos a cinco metros do Hotel e se notava que era um cavalheiro.Agradeci a ele quando me estendeu ,rindo, as moedas.Em seguida pediu, em um Ingles fluente, se podia me acompanhar ao hotel e me oferecer um drink.Mais movida pela minha curiosidade,apesar do adiantado da hora, concordei, e fomos nos sentar em duas agradáveis poltronas no bar ,onde haviam outros hóspedes em frente ao telão da televisão escutando e vendo um Documentário sobre Saddam Husseim.

Minha curiosidade derivava do fato de porque, e o que aquele enorme homem havia visto em mim, que lhe batia à altura dos ombros .Na escuridão da noite só se via a neve e ele sequer pode ver meu rosto,mas eu estava muito bem com o casaco preto e,por baixo um vestido de pura cashmere branca.Percebi,entretanto, que seu olhar brilhou quando me enxergou nítidamente no salão iluminado,dizendo:- --You have blue eyes,like me!

Sorriu,ofereceu me um vinho,e me mostrou educadamente seu passaporte.Era norueguês e,segundo me informou ,um homem que viera à Londres por negócios.Quando me viu,sem sono que estava, e percebeu minha silhueta mais as moedas que caíram ,pensou que seria agradável conversar comigo e tomar alguma coisa antes de ir dormir.

Tomamos um vinho no saguão do hotel e,como a conversa se fez fácil,fomos a um pub em frente.

Kare me contou sua vida,não sei quais as razões que o fizeram confiar em mim,talvez por ser psiquiatra.

Morava em uma vila perto de Oslo,sendo filho único.Seus pais brigavam muito e, em uma destas ocasiões,tendo ele quinze anos o pai

matou sua mãe a tiros.Neste ponto procurei mudar de assunto,era uma viajem a lazer e não pretendia me entristecer, mas algo neste homem me comoveu e o deixei seguir avante em sua história infantil.

Chocado com a morte da mãe,fugiu e foi para Oslo.

Mas as notícias se espalham rápido e ,em Oslo ,chegaram.

Dormia pelos bancos nas praças,na ocasião,e sempre lhe davam um pedaço de pão.Era apontado pelas ruas e humilhado,como o filho do assassino.Sofreu muito.

Um negociante de Oslo,sabedor da situação o chamou e,por piedade,o deixou dormir em um um palheiro no porão da casa, e o empregou por um prato de comida.

O menino,por estas épocas se sentia abandonado e chorava muito,mas reagiu trabalhando sem cessar,a ponto de chamar a atenção do patrão que lhe ofereceu a filha por mulher já que estava passada em anos e também era filha única.

Kare,não tinha outra opção e aos dezesseis anos estava casado.

Progrediu nos negócios e agora,com cinquenta anos tinha quatro filhos e oito netos. Dizia ,no entanto, não ser feliz o que fez questão de me frisar.Nos despedimos à meia noite e lamentei sua sorte.

Pela manhã,eu estava deitada ainda quando,por altas gorjetas dadas,irromperam quarto adentro em plena invasão de privacidade as camareiras do hotel com meu café,que eu não tinha pedido, na cama. Surpresa e um tanto irritada,visualizei Kare com um ramalhete de rosas para mim.Frente a minha surpresa e constrangimento , disse que ia viajar àquela hora e não havia outra maneira de me ver.

Entregou me as flores,pediu meu endereço no Brasil porque não queria perder o contacto comigo,deu me um beijo na testa ,tirou o chapéu e me disse:-Bye!Bye!Saindo logo após.

Eu,sem ter tido tempo sequer de sentar na cama fiquei a pensar que ele sofreu de uma paixonite aguda e que nunca mais nos veriamos,aspirei o perfume das rosas, e acabei sorrindo deste homenzarrão,”meio criança”ainda , e segui viajem na excursão que estava para a Holanda.

De volta a Porto Alegre,surpresa novamente, já que Kare começou a me telefonar semanalmente e me remeter cartões postais de suas viagens de negócios.Chegavam belos cartões de todos os países,diariamente.

Dizia,em seus cartões, que estava trabalhando a mais para poder vir a Porto Alegre.

Quanto a mim ,o tratava bem,mas levava na brincadeira sua visita,quando, um ano após nosso encontro,recebo um telefonema de São Paulo , dizendo que estava no Brasil e pedindo que o fosse esperar no Aereoporto.

Eu ficava cada vez mais intrigada e curiosa.O que houvera entre nós em Londres não passou de uma conversa e ,por mulher não poderia ser que me procurasse,pois,além de todas as europeias a sua disposição, era fortemente casado e eu não o encorajara a nada,tratava o como um amigo.

Busquei o no aeroporto,nos abraçamos e beijamos nas faces.

Ele irreprensivelmente trajado,de terno ,gravata mais uma bela mala e me pedindo que eu o levasse ao melhor hotel da cidade, o que fiz.

Lá chegado,subiu ao quarto ,para tomar um banho e desceu em mangas de camisa,estava muito quente em Porto Alegre.Deveriam ser umas quatro da tarde, e o levei ,como havia pedido, à minha casa para conhecer meus pais.

Eu tinha resolvido o receber da melhor forma possível e fazer todas as suas vontades na medida do possível,afinal, tinha vindo de tão longe.

Apresentei o para meus pais que arregalaram os olhos,estupefatos,frente àquele homenzarrão.

Minha mãe sentou e convesou com Kare,que lhe contou,em síntese,ser casado tendo 4 filhos e oito netos.Sua mulher pintava a casa para ele,era dedicada,mas,mesmo assim, com ela não era feliz.Buscava em mim a felicidade e,como a mostrar que não era qualquer um, deu para mim um exemplar do livro que publicou e editou na Noruega:_Trabalhar em Época de Recessão.

Minha mãe lhe perguntou como não era feliz tendo uma bela família e uma mulher que lhe pintava a casa .Perguntou lhe o que mais queria .

Frente a isto,ouvimos horrorizadas seus planos ,em que me inclui sem que quisesse.

Como são liberais estes noruegueses!

Falou,com toda a naturalidade,que tinha uma uma irmã,tambem milionária,morando só em um imenso e luxuoso apartamento na Flórida ,e me levaria para morar com ela,pagando todas as minhas despesas e viajaria entre Flórida e Oslo para me ver.

Caímos,as duas,na risada,pelos planos de Kare,incluindo a mim.

Para ele,para os noruegueses,que são muito liberais,esta proposta era perfeitamente normal e ele falou com toda a naturalidade sobre seus planos .Eu só sentia vontade de dar gargalhadas,tanto da sua proposta como da expressão de horror de minha mãe.

Nos despedimos e o levei para comer um delicioso churrasco,que ele refugou. De qualquer forma ,comeu doces,enquanto eu lhe explicava que não ia para a Flórida,não,tinha filho aqui,compromissos de trabalho, e para com meus pais.

Kare insistiu,mas frente ao meu silencio se calou,aborrecido,dizendo que então iria embora no outro dia.Concordei e lhe falei que nada impedia que contiuássemos amigos ,ao que Kare torceu o nariz.

Foi amuado para o Hotel e se despediu de mim contrariado,como uma criança pequena.

No outro dia à tarde me ligou dizendo que ia tomar o avião à noite e me convidando para um chá.Eu já estava entediada e não fui,me despedí por telefone.Até hoje não sei porque este homem pensou que ia encontrar a sua almejada felicidade comigo.Porém tenho uma ideia....

A infelicidade de Kare iniciou quando presenciou o assassinato da mãe pelo pai,situação que nunca superou e que continuou ao ser apontado e humilhado pelas ruas em Oslo,quando dormia nos bancos de praça.

Seguiu ainda,esta infelicidade quando foi trabalhar para o negociante queco casou com a filha mais velha,já passada em anos.

Entendí mais,entendi que Kare não havia podido fazer escolhas em sua vida,escolher uma mulher para ele,viver sua adolescência,optar por um tratamento pelo enorme e horroroso trauma passado.

Lamentei,quando foi embora,sua vida e,tendo sido o cavalheiro que para mim foi,lhe aceno,daqui de Porto Alegre com um grande abraço e votos de que encontre sua felicidade em Oslo.

Suzana da Cunha Heemann
Enviado por Suzana da Cunha Heemann em 02/01/2014
Reeditado em 17/05/2014
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