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           O POETA ADORMECIDO
 

          Na sombra do guamirim, numa grama verde e pequenos arbustos. A visão da paisagem não era ampla, devido ao pinheiral fechado de araucárias. O poeta que não sabia que era poeta, sentava-se e ficava a observar. Como se os versos fossem escritos na sua frente, numa grande tela no céu. Olhava as nuvens, as várias formas das mesmas. Ora um carneiro, ora um homem... mulher... criança... anjo...

 

          Preocupado com seus afazeres, saía dali triste. Ninguém sabia o que se passava em seu íntimo. Parecia que só os animais e os pássaros o entendiam. Ouvia cantos de sabiás, tentava colocar uma letra e formava melodias dos mesmos. Andava pelos carreiros cantando, acompanhado da orquestra dos passarinhos. O que ele não sabia, que tudo isso tinha um nome: inspiração poética. No grupo escolar onde aprendia as primeiras letras, ouvia falar, mas nem sequer conhecia a tal de poesia. Algumas até falava, mesmo sentado na carteira. Depois aprendeu que aquilo, ou seja, o falar um poema, chamava-se declamação ou recitação. Tinha vontade de escrever tudo o que via, ouvia e sentia, principalmente os coros formados pelas gralhas azuis, símbolo do Paraná. Vez ou outra ouvia seu velho pai falar algumas coisas, alguns versos que dizia que era de um tal Olavo Bilac, Casimiro de Abreu, Gonçalves Dias... onde havia aprendido? Mistério que foi enterrado junto com seu amado papai...
 
          Aprendeu algo, que a chamada poesia tinha que ter rimas. A professora explicava o que era. Dizia que era pra deixá-la bonita. Aprendeu que cada linha é chamada de verso e o conjunto delas, estrofes. O primeiro verso tinha que rimar com o terceiro, o segundo com o quarto... e assim por diante. Dizia que rima era a terminação de uma palavra igual a outra. O mesmo som. Exemplo: Brasil com varonil, papel com mel...
 
          O poeta que não sabia que era poeta. Queria tanto escrever... mas onde? Seus cadernos não tinham espaços para outra coisa, exceto para os exercícios escolares. Ali fazia cópias, ditados, cartas, etc. Aquela vontade de escrever o fascinava. Sempre que tinha oportunidade, quando achava algum papel de embrulhos, limpava, desamassava e guardava. Nesses papéis corria a pena de sua caneta ou mesmo o lápis. O primeiro livrinho que leu e releu, foi a estória do Jeca Tatu, de Monteiro Lobato, que na verdade era a propaganda de um antigo remédio fortificante. Depois leu alguns poemas de outros autores. O que mais o fascinou foi a Canção do Exílio de Gonçalves Dias.

 
          O trabalho na roça era obrigação da família. Pois era de lá que tiravam o sustento da casa. Cada ordem dos pais era cumprida à risca, senão o rabo de tatu, o relho, a vara de marmelo... teria serviço... e olha que era mui doído!
 
          Algumas tábuas de cercas tornaram-se papéis, lousa... Nesses lugares o poeta começava a acordar. O carvão principalmente, tornara-se em pena e giz... enfim, um instrumento para registro das emoções. Dezenas ou talvez centenas de pequenos poemas ficaram registrados nesses locais. Uns ficaram escritos tão fortes, que até pareciam misteriosos, porque nem a chuva, nem o sol ou a geada apagaram-nos.
 
          Enquanto existiam essas madeiras, lá estava a marca desse jovem, aprendiz do tempo e da vida, predestinado para ser escritor. Havia outros lugares que registrava as expressões da sua alma: era a parede do paiol de milhos e o rancho onde seu papai e seus irmãos paravam (residiam de segunda a sexta ou sábado) ou seja,  durante a semana para trabalhar. O velho ficava uma fera. Mesmo que muitos anos tivessem se passado podia-se ainda ver alguns escritos seus. Pessoas liam... algumas meneavam a cabeça e se riam em forma de deboche. Outras ao lerem achavam lindos e elogiavam a pessoa que os escreviam. Versos soltos... poesias... poemas... de... carvão... ficaram gravados e cravados no coração do autor.
 
          Se esse escritor pudesse retornar no tempo... e como gostaria de voltar! Rever as épocas de ouro da infância que ficou... saudades do poeta que não havia acordado... ingenuidade... companhia com os pássaros...
 
          Muitos que leram já se foram. Será que ainda há algum que não se apagou? Será que ainda existe uma tábua escrita? Será que alguém hoje passaria por lá e diria como Freud, que um poeta já passou por ali, antes dele? Será que há quem diga: que saudades do poeta???
 
          Versos de carvão... de um poeta. Poeta que não sabia que era poeta. O poeta que acordou... O poeta adormecido...
 

(Christiano Nunes)
 

Ps: A palavra poeta ficou repetitiva de propósito, para dar mais ênfase na mesma.
 


Essa crônica está como introdução do meu livro de poesias, intitulado: EXPRESSÕES DA ALMA.


(Republicação)