Bem-vinda ao mundo real IV

Parece que quebrou o encanto e hoje a tela anda distante dos meus planos.

O furor da novidade de poder ficar sempre online sem me preocupar com a tarifa virou carne de vaca.

Aquela ânsia de encontrar o nome de fulano ou beltrano piscando para jogar conversa fora não tem mais o mesmo peso. Não sei, mas acho que aquele olho no olho acaba fazendo mais falta do que parecia há alguns anos.

É claro que os amigos feitos na NET são muito amigos, especialmente os que passam da NET para o real; com telefone e endereço. Não todos; aqueles com os quais a gente troca (ou) figurinhas, presentes, telefonemas. É, alguns são mesmo especiais e a gente leva pra vida toda porque marcam.

Ah a NET que faz parecer que todos somos bonzinhos e bem resolvidos, que todos somos belos e com uma situação financeira arrumada. Grande piada!

Pra quem achava que isso aqui era um mundo fantástico e sem problemas caiu a cortina, porque a NET é só o reflexo do mundo aqui fora. ( parece que a gente não sabia, rs) Na NET há as pessoas ansiosas, as mentirosas, os bandidos, os ingênuos, os feios e bonitos, e todos protegidos por nicks e uma tela que tudo suaviza.

Para quem chega tudo é novidade, mas pra quem já está aqui há um tempo razoável fica a sensação de que mesmo que tudo seja novidade falta o principal, o contato físico.

Mas a NET é isso mesmo, e por mais que evolua e que as câmeras sejam potentes, que o cheiro chegue conforme o já prometido (faz tempo e vai demorar ainda mais um pouco) não vai substituir aquela roda de amigos, o barzinho, o passeio de mãos dadas, o amasso, menos ainda o motel.

É claro que a NET é muito mais do que isso, sem dúvida! Eu falo pelos que aportaram aqui a trabalho e se acomodaram nas relações netinianas ou pelos solitários, tímidos que acharam aqui a oportunidade que o mundo real não lhes deu.

O que era para ser um veículo de estudos e pesquisas acabou por se tornar também o maior ponto de encontros, a referência dos bem relacionados.

É quase que obrigatório ter um e-mail, um MSN , estar com a cara estampada no Orkut. Nem as crianças estão escapando mais, eles marcam encontro para jogar no computador ou papear pelo MSN, skipe e alguns até longe da vista dos pais.

O curioso é que só uma pequena parcela da população tem acesso, e é tão mais comum que se imagina ter uma rede de computadores numa casa para que todos da casa possam ter cada vez mais privacidade. O que será de quem não consegue estar conectado?

Quem não tem computador fica defronte a TV, e com a violência grassando cada vez mais no mundo lá fora, acabamos por optar pela TV ou pela NET; e é claro que há mais coisas há fazer num micro, mas sozinho num micro não há a menor chance de se ficar muito tempo; a menos que seja a trabalho. Mesmo para os que ficam a maior parte do tempo a trabalho, estar conectado é fundamental e aí a tentação de estar procurando alguém para conversar é inevitável.

E como ficaria a vida de quem acorda dizendo bom dia diante da tela se ela não mais estivesse ali? E se de repente os olhos pedirem a correspondência, as mãos sentirem a necessidade de serem tocadas? Um dia tudo isso acaba ficando muito chato, haja imaginação! E se no mundo real não houver alguma coisa tão boa que compense as horas solitárias diante de uma tela fria, mesmo que esteja tão povoada que basta acionar uma tecla para encontrar um monte de gente.

Que feitiço tem essa máquina diabólica que prende nossa atenção fazendo muitas vezes com que desistamos de correr atrás das coisas reais, palpáveis, como sair nem que seja pra tomar um sorvete, passear pelo shopping só pra olhar vitrine quando a grana está curta. Acho que por conta desse vício delicioso desistimos um pouco do mundo real, na esperança de sermos mais aceitos aqui do que no mundo real, será?

Enquanto a vida passa lá fora cheia de perigos, muitos olhares e bocas também.

Enquanto aqui só o calor das palavras me abraça, muitos braços estão por aí no mundo real precisando de abraços.

Eu amo as palavras, as letras e elas estão por toda parte, acondicionadas em belos livros de capas brilhantes me esperando, nas estantes, prateleiras e me falam tanto por si só sem imagens sem sons.

Oh vida cruel, porque me apaixonei pela NET? Ela é como um marido que depois de um tempo de casado, não nos liga mais, cansa, enche o saco, nunca tem carinho quando estamos carentes.

Pois é NET, pra você também: Bem-vinda ao mundo real!!!!!

Angélica Teresa Faiz Almstadter
Enviado por Angélica Teresa Faiz Almstadter em 01/05/2007
Reeditado em 02/05/2007
Código do texto: T470389
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