Lembranças

Sempre quando viajava pra minha cidadezinha do interior, gostava de visitar os sítios das comadres da minha mãe, só pra ouvir aquelas histórias que aconteciam no passado que me deixavam hora de queijo caído, hora de cabelo em pé, hora dando boas risadas.
Era um sossego de fazer inveja. E a noite preta da cor de breu, como dizem por lá e um candeeiro lá no canto da sala para iluminar aquele cenário e virávamos a noite ouvindo histórias que o tempo registrou em cada canto daquela paragens.
Pense numa pessoa que gostava de ouvir histórias e essa pessoa era eu. E até conhecia netos de escravos que sabiam de cor e salteado episódios de não se esquecer nunca mais.
Terras e pedras testemunhas de gemidos de sofrimento e dor de um tempo que só Deus sabe explicar o porquê.
Visitava uma senhora com mais de 100 anos, segundo ela, que sentadinha em uma cadeira me recebia com um sorriso de felicidade que jamais vi em rosto nenhum. Com o seu velho cachimbo na boca, apagado por sinal, dizia que era pra não perder o costume e dava boas risadas.
Dona Maria, assim eu perguntava a senhora é feliz?
Ela respondia: Minha filha eu não tenho do que reclamar da vida não.
É difícil alguém ouvir uma frase igual a essas nos dias de hoje. Bom, mas voltando lá pra minha cidadezinha do interior, que não devia um centavo pra ninguém, a paz corria solta. Era tanta paz de dar sono na gente.
E lá no sitio onde eu era hóspede de primeira classe, era tratada a pão de ló. Levantava cedinho e aquele céu azul cheio de nuvens da cor de algodão, recebia os primeiros raios do sol aquecendo a mata que fazia exalar das laranjeiras, mangueiras, coqueiros, goiabeiras um cheiro que só a natureza sabe produzir. Na mesa, o café quentinho, leite tirado da vaca instantes atrás, fervido com uma nata que eu adorava passar no cuscuz feito de fubá de milho deixado de molho da noite pro dia e depois passado no moinho.
Depois em companhia das minhas amigas ia passear pela mata, andava alguns quilômetros por uma estrada de terra vermelha depois chegava a um açude onde não arriscava sequer molhar os pés. Depois sentava embaixo do dos tamarineiros carregados de tamarindos que eu adorava.
Ô vidão!
Os dias voam depressa e lá se vão as minhas férias e necessário é retornar pra minha rotina.
E os anos também passam.
Passaram-se mais ou menos 28 anos!
Aquele mundo quase que sobrenatural parece não existir mais. As pessoas amigas já se foram, outras cada uma com os seus destinos não as encontrei mais, talvez como eu, buscaram outros ares, outros caminhos.
Não deixaria de retornar à aquele sitio, pelo menos para ver de longe, os lugares por onde andei e as lágrimas escorriam dos olhos, do coração e da alma.
O casarão de paredes amarelas está intacto e muito bem cuidado como também as laranjeiras, as mangueiras, as goiabeiras e outras árvores inesquecíveis. Ali moram outras pessoas, não as conheço, apenas o lugar e as lembranças das pessoas hospitaleiras e amigas onde eu muitos dias passei ouvindo as mais belas histórias de um passado que sei foi e deixou raízes no coração da gente.

 
Emedelu
Enviado por Emedelu em 15/03/2014
Reeditado em 15/03/2014
Código do texto: T4729972
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