Vou voltar, sei que ainda vou voltar

Foi quando fiz uma viagem que resolvi voltar a escrever. Fui sozinha, com minhas coisas de dentro. Engraçado é que as pessoas ficaram mais admiradas do que felizes quando deram conta de que eu ia só. “Tu vai sozinha?”. “Vou, eu. Mas vou levar dois livros, um violão que ainda tenho que aprender a tocar todo, e 63 músicas. Acho que dá. Lá ainda tem mar na frente, e rede na varanda. Estou pensando esticar os dias pra dar tempo de tudo”. E as pessoas se abismavam.

Lá, quem dava conta de eu estar sozinha dizia: “deve ser ruim viajar sozinha, não é?”. “É não”. E se ofereciam de companhia, e eu fugia, com vontade de dizer que ruim deve ser não se agüentar só. E insistiam em ser companhia, e eu inventava desculpa, “vou dormir um pouco”, e saía. Não fossem as insistências, eu mesma quase não lembrava que estava só, apenas em outro lugar.

É do meu costume ficar sozinha, quando não enfurnada no trabalho. A gente contém a histeria, e fica até achando que chega a ser desnecessário o tanto do nosso falar, e o monte de companhias que a gente tem diariamente, ou dia sim, dia não, ou de vez em quando. Eu fui toda necessária sozinha. Às vezes eu mandava uma mensagem pro celular de um, uma pra outro, recebia mensagens das pessoas me perguntando de mim, se eu estava gostando. Acho que era medo de me perderem pra mim. Passo finais de semanas a fio sem ligação, mensagem, convite sequer.

Sei que lá fiquei brincando de fazer listas, um monte, das coisas que eu gosto, das que desgosto, e das que me dão agonia. Escrever estava em tudo: por eu gostar, por desgostar de ter parado durante tanto tempo, por não ter conseguido voltar antes, que me dava agonia...

Foi um dia que eu estava num samba, uma amiga perguntou por que eu não criava personagens. Tentei até explicar, expliquei; tentei até escrever qualquer coisa aqui, escrevi, na tentativa de me convencer, mas nem. E fiquei me enfurnando, juntando imagens, rostos, dores, histórias, tanto que ficou tudo misturado, e eu não consegui contar história alheia, nem histórias de mim.

Fica tudo parecendo besta quando a gente dá conta de não saber criar personagens... Como se a gente não se bastasse, como se a gente não fosse um monte: hoje eu completei 24 anos, mas fui uma menina de 10. Ninguém desconfiou que eu estava era escondendo a tristeza de um amor daqueles que parece que é pra sempre, mas que nem tem correspondência.

Cristina Carneiro
Enviado por Cristina Carneiro em 03/05/2007
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