AMOR RECLUSO

Ontem, foi o Dia das Mães. A cidade de São Paulo aparentava um misto de feriado com um dia de festa nacional. A entrada dos restaurantes fervilhava de pessoas em filas de espera, onde se notava a predominância de famílias com alguma senhora idosa sendo conduzida para o indefectível almoço de gratidão anual por parte dos filhos.

Muitas floriculturas espreitavam os tradicionais retardatários para a compra dos últimos vasos com flores bem comportadas e arrumadinhas. Para aqueles com poder aquisitivo mais combalido, vendedores de plantão se postavam em algumas ruas da metrópole fazendo da calçada o balcão para os seus artigos vegetais devidamente enrolados em celofanes coloridos.

Seguramente, feijoadas, macarronadas, peixadas e churrascadas deslanchavam dentro dos lares apinhados de parentes próximos - e os nem tão próximos assim – com tios conhecendo os novos sobrinhos; com priminhos brigando entre si (a mesma coisa do ano passado); com as cunhadas discutindo o novo penteado ou o desfecho da doença da sua vizinha. Enfim, tudo familiar e ao som de do programa do Silvio Santos ou de algum jogo de futebol do campeonato espanhol ou inglês. Os sorrisos eclodem pelos cantos, motivados por piadinhas infames contadas pelo tiozão que no dia-a-dia é até meio “casca de ferida”.

No dia de ontem eu tive uma outra visão do Dia das Mães. Dirigia o meu carro pela Rodovia Raposo Tavares, em Cotia e, ao passar pelo Cadeião Feminino, deparei com aquele aglomerado de pessoas – na sua grande maioria mulheres – na frente do portão de acesso da penitenciária. Uma imensa fila de senhoras e moças – algumas com crianças a tira-colo - com embrulhos nas mãos que pareciam as oferendas para as reclusas .

Parei o carro a uma certa distância e me quedei a olhar o semblante, as expressões nos rostos daquelas criaturas. Faces tristes e sombrias, na sua grande maioria. Não existiam sorrisos e um silêncio sofrido prevalecia no ambiente, antes da revista que seria feita por parte dos agentes penitenciários – sabe-se bem como estas cenas são humilhantes e deprimentes para os visitantes.

Fiquei ali tentando imaginar como seria o encontro dentro do cárcere de cada mãe daquela com a suas respectivas filhas – talvez mães também de algumas daquelas crianças.

- Feliz Dia das Mães,minha filha – diria a visitante com a voz embargada

– Prá você também, mãe - redargüiria a anfitriã

Haveria uma troca de beijos. E depois seriam sorrisos ou um choro íntimo e discreto?

Juntamente com um sentimento de tristeza pelas vicissitudes que aquela gente passava, tive a vontade de saltar do veículo e escutar o drama de cada uma delas – não sei por carinho e respeito ou mesmo pelo interesse peculiar de quem escreve crônicas.

Carreguei aquele monte de gente no meu pensamento até o final do dia, tentando montar o quebra-cabeça das relações humanas entre mães libertas e suas filhas-mães presidiárias.

Tentei forjar algumas histórias para cada um daqueles personagens – daria um bom conto. Por enquanto saiu somente esta pequena crônica.