Ensino e aprendizagem

Em uma das disciplinas que leciono, costumo fazer uma tempestade de ideias (quem quiser ser mais chique, pode chamar de brainstorming) acerca da palavra ensino. Tudo começa com a pergunta: que lembrança traz a palavra ensino? As respostas vêm em palavras, e não em frases. Como o tempo para esse exercício é limitado – não mais do que cinco minutos – acaba causando o maior frisson. E tudo isso acompanhado da informação inicial de que nesse exercício não cabe nenhum tipo de censura. Ou seja, o que vier à cabeça das pessoas está valendo, e deve ser anotado. O que surge vai desde as mais convencionais palavras, intrinsicamente relacionadas ao ensino, como escola, transmissão de conhecimento, aprendizagem, provas, reprovação, até as que, aparentemente, nada têm a ver, como namoro, primeiro beijo, ou amizade.

A discussão que surge a partir das palavras expostas, que foram evocadas tendo como ponto de partida ensino, procura dar resposta à pergunta: e diante de todas essas palavras a que conclusão se pode chegar? Na verdade ensino é muito mais amplo do que apenas a transmissão de conhecimentos, o repassar alguma coisa a alguém. E, necessariamente, o seu significado não está relacionado diretamente à escola.

A origem latina da palavra ensino tem a sua raiz associada ao termo signo, ligada ao verbo insignire, que tem como significado sinalizar, pôr uma marca. Resumindo: “uma sinalização que deixa marcas distintivas”. Mas, será que tudo que se aprende precisa ter a mediação de um professor – para deixar a sua marca - e uma localização física definida, como a escola?

Veja o que diz, por exemplo, Ivan Illich em seu clássico Sociedade sem Escolas, em que prega a desinstalação da escola: “A maior parte dos nossos conhecimentos adquirimo-los fora da escola. Os alunos realizam a maior parte de sua aprendizagem sem os, ou muitas vezes, apesar dos professores. (...) Todos aprendemos o como viver sem o auxílio da escola. Aprendemos a falar, pensar, amar, sentir, brincar, praguejar, fazer política e trabalhar sem interferência de professor algum.”

As palavras saídas do brainstorming atestam isso. Até aprendemos com o que a escola nos oferece. Mas é em seu entorno, e em suas relações, que está o grande aprendizado. Lembro que na minha adolescência, em meados dos anos sessenta, estudei no Colégio da Bahia, o mesmo que teve por aluno Carlos Marighella, no final dos anos vinte. Como ele havia terminado uma parte dos estudos por lá, ainda se podia ver o quadro pendurado na parede, com as fotos dos alunos da turma concluinte. Nenhum professor “ensinava” que os alunos deveriam “visitar” aquela galeria para ver a foto do antigo colega, à época ainda vivo. Mas um pouco da história do Brasil foi aprendida por aqueles alunos em sua peregrinação para ver o famoso ex-colega, instruído não sei por quem, que certamente não era um professor formal. É assim: ficando atento, a gente aprende. E, como diz o poeta, “todo mundo quer voar além, mas é preciso aprender...” E seja lá em que lugar for.

Fleal
Enviado por Fleal em 03/07/2014
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