A vida se deixa acontecer

     Garoa fina, quase uma névoa. Cheguei em casa carregando uma pasta com anotações, resumos, relatórios, propostas, contratos. Ela na cama, assistindo à TV, um copo de suco na mesa de cabeceira, disse sem tirar os olhos da tela:
     - Seu filho ficou no quarto o dia todo. É melhor você conversar com ele.
     Lembro de quando ela me esperava na rua, depois no portão, depois na porta, depois na sala. Depois, depois, depois o tempo não pára.
     Fui em direção ao corredor e antes de entrar no quarto observei ao lado da porta a bandeja de comida. Intacta. Toda a minha vida fugaz passou como um filme pela cabeça. Quadro a quadro. Quanto tempo faz? Que diferença faz? O que acontece com nossos sonhos? Pausa. P a u s a. P A U S A.
     Não abro a porta do quarto. Volto, desço a escada e abro a porta da rua. A vida ainda me espera. A garoa já passou. Que venha a tempestade.