Livro pra presente

Este é apenas um breve relato de L., um homem que possuía o hábito de dar livros de presente. Em qualquer ocasião, lá estava ele, com livro e dedicatória em mãos. Para L., o gesto significava mais do que o carinho comum atribuído ao presentear. Significava uma jornada prazerosa, concluída após muita pesquisa - afinal, a cada data comemorativa ele passava horas na livraria em busca do título ideal, ou vasculhava o repertório literário mental durante bons momentos. "É preciso, afinal, adequar a obra à pessoa", acreditava. Tarefa delicada. Com tantas opções, haveria critérios demais a serem considerados. Letras demais a serem analisadas. Na dúvida, L. confiava nos seus próprios gostos e julgamentos.

Junto com este (positivo) costume, ele adquiriu também um hábito questionável: L. gostava de ler tudo logo após a compra. Mesmo que fosse um presente - o que significava violar as páginas de um novo livro, infringindo o prazer do receptor em desvirginar tão sedosas páginas. De modos pacatos, esta era a única ousadia a qual se permitia conscientemente. Era um maníaco literário. Desobedecia as amarras sociais e, ao pensar nisso, sorria.

Apesar de contestável, não se pode dizer que a quase defloração de lombadas e encadernamentos eram ações pouco generosas ou mesquinhas. L. pensava nisso tudo como um test-drive contra os maus títulos. Assim ele protegeria o presenteado das possíveis falácias gramaticais e checaria a qualidade de páginas e palavras (aproveitando para dar uma verificada atrás das orelhas – partes integrantes, apesar de esquecidas, de um corpo literário).

O gesto peculiar acabou criando um problema financeiro-psicológico para L.: no fim, ele não conseguia se desfazer das obras recém-adquiridas. Se fossem ruins, não haveria coragem para presentear; se boas, pior ainda: guardava para sua própria coleção. A solução? Ir novamente à livraria e comprar um novo exemplar - recomeçando toda a jornada (um tanto penosa em caso de desilusão ortográfico-literária). Mais aniversários, mais gastos, mais leituras acumuladas, tudo resultando em mais stress - que pelo menos rendia alguma cultura extra, no fim das contas.

Quando aumentou o círculo social, começou a enlouquecer. Mal dava conta das leituras cotidianas, e quando percebia já era refém de nova efeméride. Pensava com alegria no bolo e na esbórnia vindouros (como um bom glutão), mas lembrava também do livro a ser entregue como presente. Aquelas cedilhas pendentes, os travessões ameaçadores e os objetos nem sempre tão diretos o assombravam. Ficava desesperado, e, ao mesmo tempo, se entristecia ao lembrar da aposentadoria do trema. Por uma semana faltava tempo e sobrava angústia. Pior: sobravam palavras.

Em alguns meses passou a ter de lidar com mais de um aniversário por semana e, com isso, veio a cartada final: L. não mais conseguia fazer a leitura prévia das obras, como sua obsessão exigia. Para isso, precisaria de uma agenda própria, um planejamento literário. Desistiu. Por um tempo, viveu a sensação de aventura ao presentear com um título até então desconhecido. Mas foi dissuadido por seus próprios pensamentos: "E se o livro tivesse um magnífico título, avaliações perspicazes, mas, no fim das contas, falasse sobre... Cebolinhas? Aspargos? Tecidos e estampas?", questionava. Um perigo paradoxal envolvendo palpitação e monotonia em centenas de páginas.

Por motivos de saúde (dele, não dos outros), acabou desistindo de presentear com livros; a partir de então eles seriam apenas artigos de uso próprio ou familiar. Optou por presentear com chocolates, guloseimas gordurosas e vinhos: menos intenso, mas (ironicamente) muito mais saudável. Na pior das hipóteses, ao menos o brinde já estaria garantido.