Preguiça de desfazer as malas

Mauro era do tipo de homem que detestava a logística das viagens. A ideia de comprar as passagens com antecedência, reservar o hotel, montar itinerários, confirmar e rever as datas o aterrorizava. Mas, para ele, pior mesmo era o pânico envolvendo as malas (e sua burocracia sutil). Especificamente o desfazer das malas.

O arrumar da bagagem era um momento imaginativo, contemplativo, mesmo com o medo de se esquecer algum objeto essencial (que depois se mostraria dispensável). A burocracia de dobrar todas as roupas e ajustá-las ao tamanho (sempre insuficiente) das malas era o menor dos problemas, já que a expectativa de conhecer um novo lugar se sobrepunha à morosidade do processo. O suplício começava mesmo era na volta: o cansaço substituindo a euforia da ida, evoluindo para preguiça e se desenvolvendo, por fim, em procrastinação absoluta. Os resultados são conhecidos: malas (re)arrumadas às pressas, com tudo jogado lá dentro de qualquer jeito. Uma zona.

Foi em uma viagem de férias com a família que o maior dilema de Mauro começou.

- Gostei da viagem, mas tô cansado - diz o Mauro, ainda tirando os sapatos na sala de casa.

- Nem me fale. E olha que na metade do tempo você ficou na praia bebendo cerveja – retruca a esposa.

- E quem disse que tomar cerveja não cansa? Principalmente olhando o mar, toda aquela movimentação das ondas. É bonito, mas fica exaustivo depois de algumas horas – explica o Mauro.

- Deixa de ser preguiçoso! Isso porque você não deu sequer uma caminhada até o outro canto da praia. Eu fui até lá com a Julinha duas vezes. Uma beleza.

- Está louca? Já viu a dificuldade que é andar na areia? Meu guarda-sol é que estava uma beleza. A areia entre os dedos...

- Sei... Você não tem jeito, mesmo. Ó, fica aqui com a Julinha que vou tomar um banho. Já volto.

- Tá.

A esposa entrou no chuveiro e o Mauro afundou no sofá, com a Julinha dormindo, ao lado. Ligou a TV e se concentrou numa reportagem sobre os perigos das águas-vivas. “Ainda bem que nem entrei na água”, pensou. Ele ficou ali, remoendo outros argumentos para defender o sedentarismo das férias, enquanto a esposa tomava banho.

Volta a cônjuge.

- Nada como nosso próprio banheiro... Ahhhrr – celebra.

- Nem me fale. Minha vez de aproveitar... – responde o Mauro.

- Hmm, Mauro... As malas ainda estão ali no canto da sala. Leve-as para o quarto, pelo menos!

- Tô indo... Tô indo.

Depois de mais meia hora, foi. Com ele, arrastou as duas malas: uma dele e outra da mulher e da filha. Deixou tudo ao lado do guarda-roupa e seguiu para o banheiro, ainda quente do banho anterior.

***

Passados dois dias do retorno, a mala do Mauro continuava no mesmo lugar. Faltou ânimo para organizar tudo, e o máximo que fez foi tirar de lá algumas peças de roupas sujas, que estavam amontoadas em um cantinho.

- Ei, amor. Você pode pegar para mim aquela camisa listrada? Vou tomar um banho rápido – pede à esposa.

- Está em qual parte do guarda-roupa? Ainda não vi o que você fez por lá depois da viagem – questiona a cônjuge.

- Ainda está na mala, na verdade.

- Na mala? Você nem mexeu na sua mala? – se assusta a esposa, ativando seu senso de organização adormecido.

- Não. Tá tudo lá.

- Mauro... Não vou arrumar nada pra você, hein. Você não tem doze anos – ameaça.

- Eu sei, eu sei. Deu preguiça. Já viu o suplício que é encaixar tudo nos cabides? Ver se precisa passar novamente?

- Ai, Mauro...

Depois de uma semana, nada havia mudado. Foi aí que Mauro começou a questionar qual era a real necessidade de se possuir um guarda-roupa. E tantas roupas. Tudo o que precisava estava ali, na mala, ao alcance das mãos. E ainda havia várias divisórias para o desodorante, lâmina de barbear, umas duas calças e algumas camisas. A vida em uma mala.

Mais alguns dias se passaram, e a esposa flagrou o Mauro guardando as roupas lavadas e passadas na mala – e não no guarda-roupa.

- Vai viajar a trabalho, amor?

- Hmm... Não. Viajar?

- Então para que a mala?

Só aí ele percebeu o que estava fazendo. Mas não parou. Pensou por um minuto, e disse:

- Sabe aquele guarda-roupa maior que você queria? Não precisa se preocupar.

- Você decidiu comprar?

- Não, não. Você pode ficar com minhas duas portas. Se precisar, eu compro uma mala maior.

E arrastou tudo para debaixo da cama. Além de tudo, a mala tinha rodinhas. Vida compacta, prática e eficiente.