Conversa com netos

O papo com os netos no trajeto de casa à escola, quando temos a graça de tê-los sob a nossa responsabilidade, é muito variado. Muitas vezes quem puxa o assunto, mesmo tão distante, é Carlos Alberto Sardenberg, a quem acompanhamos pela CBN no rádio do carro, na hora do nosso deslocamento. Como ultimamente a Petrobrás e os “malfeitos” por lá ocorridos são temas diários, o assunto honestidade, ou a falta dela, sempre surge. Engana-se quem pensa que eles, apesar da idade – no meu caso, 10 anos – não se ligam nesses assuntos. Afinal eles também são, assim como nós, adultos, bombardeados noite e dia, por rádio, jornal ou TV, com esses maus exemplos. Para provocar puxei um dito popular que fala que “achado não é roubado”, para ouvir a opinião deles sobre esse tema. Escuto o que eles têm a dizer e complemento com o que fala a lei sobre isso. Em meio às acaloradas discussões um deles sai com essa: “- Parece que tem mais ladrões no Brasil do que pessoas honestas, não é vô”? Pois é... É essa a construção que está sendo feita na cabeça dos nossos pequenos. De tanto ouvir falar em roubo eles acabam concluindo, erroneamente, que todos são ladrões. E lá se vai um longo trabalho de desconstrução dessa ideia.

Como o caso em mais evidência é a Petrobrás, começo chamando a atenção deles para pessoas que trabalham na empresa, e que eles conhecem, e sabem que não são ladrões. E que, assim como esses conhecidos, são milhares outros de desconhecidos que trabalham honestamente para o bem da empresa. E concluo dizendo que eles, os ladrões, são em número ínfimo, que muitas vezes foram para lá enviados já com esse propósito, para servir a outras causas bem menos nobres.

Mas as noticias ruins não param de chegar. A mais recente foi sobre o último delinquente a se entregar, irmão de um ex-ministro desse governo, acusado de andar com dinheiro vivo fazendo as entregas acertadas. A advogada desse senhor solicita à justiça, em sua defesa, o cumprimento da prisão domiciliar, uma vez que ele já é maior de 70 anos e tem a saúde debilitada. Eu, quase um setentão, me escandalizo com essa notícia, mas fico sem palavras quando ouço do meu neto: “-Vô, roubar com 70 anos pode, mas não pode ser preso”? O que dizer numa hora dessas? Apenas um “a lei é assim mesmo”, não basta. Questionador como ele é, certamente irá me perguntar que lei é essa que favorece bandidos. Sabe o que me salvou dessa conversa? O fim do nosso deslocamento, com a chegada à escola. Mas ficou a promessa de continuar o papo depois, e para isso vou me munir de argumentos para não ser desmontado logo na primeira explicação.

Quem não se lembra de um juiz, chamado Nicolau, que ficou mais conhecido no país por Lalau, e do volume enorme de recursos oriundos de uma das construções faraônicas da Justiça, que ele desviou para a sua conta bancária? Por onde anda ele hoje? Em sua casa, gozando de prisão domiciliar, usufruindo de todos os malfeitos que fez, solto sob essa alegação de idade avançada e saúde debilitada. A lei lhe acoberta! Enquanto isso, eu, como avô, que me desdobre para explicar aos netos que, apesar de tudo o que eles veem e ouvem, vale a pena ser honesto.

Fleal
Enviado por Fleal em 27/11/2014
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