CRÔNICAS DO TREM: COMPAIXÃO

O trem é minha realidade diária. Moro em Mogi das Cruzes e trabalho em São Paulo há muitos anos, o que me obriga a pelo menos quatro horas de chacoalhar a cada dia de labuta. Já trabalhei em todos os horários imagináveis, o que me rendeu algumas experiências.

Outro dia consegui vir mais para tarde, escapando da hora do rush. Até vim sentado. Algumas estacões após, quando todas as cadeiras estavam ocupadas, mas os que estavam de pé não se espremiam como sardinhas em lata, entrou uma moça com duas meninas. As bacuris tinham por volta de 7 a 9 anos.

A moça não estava em farrapos nem toda requintada. Apesar da jovem ser bela, não era daquela formosura que costuma abrir todas as portas e que fazem daquelas que a possuem, criaturas que vivem em uma bolha de lisonjas e favores. Era bela apenas. Nem as crianças tinham nada de especial. Apesar disso duas pessoas se levantaram para lhe oferecer lugar, um senhor e uma senhora. Que não estavam sentados em lugares reservados para idosos e congêneres! A moça gentilmente recusou.

Fiquei abismado. Na hora do aperto, quando muito maior é a necessidade que pessoas com criança têm de sentar, isso é uma cena rara. Um vendedor ambulante passou oferecendo balas e as meninas pediram. A jovem explicou-lhes que não tinha dinheiro. Envergonhado já por não ter sido um dos que lhe ofereceu lugar, procurei por dinheiro no bolso. Vi que pelo menos duas outras pessoas faziam o mesmo. Mas fomos frustrados pelo próprio vendedor que deu uma para cada:-"Só duas não fazem falta". Maior foi meu assombro. Sempre brinco que os ambulantes do trem são tão muquiranas que dão até adeus com a mão fechada.

Elas desceram em Itaquera e eu fui até a Luz pensando na cena que tinha visto. E me lembrei de um pensamento que li não me recordo aonde. Para que haja compaixão é preciso calma. Têm que se parar o que está fazendo para poder sair de si mesmo e se colocar no lugar do outro. O que é complicado quando se está apertado e louco para chegar no trabalho ou em casa...