CRÔNICAS DO TREM:PROGRESSO

Há uma frase que se houve constantemente em todos os lugares, em todas as classes e em todos os níveis de instrução:Nada muda neste país! Acredito ser isso uma expressão da revolta geral mas, de forma alguma corresponde à realidade. Um exemplo disso é o trem. Concordo, eles não são uma maravilha. Estão a séculos de distância dos trens americanos que levam os trabalhadores para o subúrbio. Pelo menos como eu vejo nos filmes. Mas estão bem melhores que os indianos e paquistaneses, que também vejo nos filmes e documentários. No entanto eu posso com certeza falar, de experiência própria, que melhoraram muito nos últimos 22 anos.

Para quem os estão conhecendo agora, os antigos seriam a visão do inferno! Sempre lotados, parando muito mais dos que os de hoje, muitos com buracos no chão aonde se viam os trilhos, ambulantes vendendo cachaça e conhaque, as pessoas fumando dentro dos vagões, e por aí vai. Mas como tudo na nossa adolescência e juventude têm um colorido especial, sinto saudades deles. Nos dias que desejava colorir a realidade, pegava o último vagão, o da fumaça. Só a marola era suficiente para fazer a maior viagem e ficar com os olhos vermelhos. Nos dias em que estava à fim de me divertir sendo mero espectador, a pedida era o segundo vagão, o da jogatina. E, seguindo o espírito suicida da idade, achava uma grande sorte sempre que conseguia ir segurando na porta que não fechava. Ou Himmler estava certo ao dizer que os pais de família são os maires covardes do mundo, ou os romanos, ao dizer que quanto menos vida temos mais valor damos à ela. Hoje não seria capaz de fazer isso.

Mas meu grande barato era ir nos intermediários. Sempre havia um burburinho danado, as pessoas conversando sobre a vida, sobre política, sobre futebol, contando piadas. Frequentemente alguém pregando e apenas uma ou duas pessoas dando atenção. Sempre conhecia alguém novo nestas viagens. Marcava-se até horário e vagão para encontrar os mais queridos. Alguns cheguei até a ir na casa.

Hoje é tudo tão maçante. Um silencio só perturbado pelo balanço do trem, pelas conversas sussurradas e pelos marreteiros (em quantidade bem menor) vendendo seus produtos no shopping trem, nunca bebida alcoólica. Todo mundo com fones de ouvido ou conversando com os seus pelo celular. Algo bom e que têm que ser notado é que muito mais gente lê durante a viagem. Mas ninguém vai puxar assunto com alguém que está com a cara enfiada em um livro.

Ontem deu o maior toró na Zona Leste, caiu poste na estação da Luz, caiu raio na linha que passa por São Miguel, os trens operavam com velocidade reduzida. O CAOS! Consolávamos mutuamente eu e um menino de Itaquá a nossa má sorte de morarmos longe contando casos de guerra, um técnico da Eletropaulo nos explicou o apuro que eles passam na época das chuvas de verão, tive uma conversa divertidíssima com uma negra sobre nomes, ela reclamando que escolheu um marido mais escuro que ela justamente com o sobrenome Leite e, juntos, imaginamos todos os sofrimentos que seus filhos teriam na escola. Um louco bêbado resolveu importunar uma menina que lia a meu lado e eu fingi ser seu conhecido para afastar o chato, o que rendeu uma conversa sobre como com tantos guardas deixavam essas figuras embarcar. E, quando tudo parecia terminado, abri minha Bíblia e logo um senhor perguntou se eu era pastor, o que rendeu uma animada conversa sobre religião, filosofia e política até a minha estação. Foi a melhor viagem de trem que tive em anos!!