CONTOS DA CAROCHINHA

Era uma vez, num reino encantado governado por uma princesa, mas sem a coroa, tradicional símbolo do poder. -Ademais com tal peso sobre sua cabeça, seria uma chatice para não dizer maior burrice. O seu governo era apenas de fachada, porque um ex primeiro ministro do seu antecessor é quem deveras mandava.

Da janela do seu palacete a princesa ainda que triste por tão humilhante situação, às vezes a acéfala pensava, isto de ser tudo e não ser nada, também a mim não agrada. Ainda assim, em certas tardes mais bucólicas, e porque nada achasse pra fazer, e porque também não gostava de ler, ficava-se a contemplar as ruas do seu reino; que em seus delírios achava todas muito bem cuidadas e limpinhas, que até dava gosto de se ver; todas elas asfaltadas, um prazer, para quem de carruagem por elas passeava. Também as calçadas de tão belas e arrumadas dava gosto de por elas andar. As árvores das praças e dos canteiros que o ministro do meio-ambiente, e outros enfeites, por ele mandadas plantar seus súditos faziam questão de zelar. Tudo lindo, um primor. Ah! Um mundo civilizado, pensava, é outra coisa, sim senhor.

Os carros estacionados ao longo das calçadas ficavam todos de vidros arriados, quando fazia calor, ou apenas de portas encostadas, sem aldrabas. Objetos de valia, escancarados, no seu interior, ninguém mexia, ninguém levava, pois ladrões no seu reino não havia. Todos eram cidadãos honrados e trabalhadores, vadiagem nem pensar...

O primeiro ministro e os demais ministros, bem assim o parlamento eram o exemplo impecável, nos quais o povo se espelhava, era o exemplo de nação, sem fome e sem corrupção.

Nas suas raras andanças pelo reino encantado, quando já cansada de não fazer nada, visitava algum bairro e, com grande agrado verificava que também eles eram muito asseados. Esgotos a céu aberto nem pensar, eram todos bem fechados; valetas limpinhas, nada de água estagnada, e aqui e ali lindas pracinhas, todas enfeitadinhas com muitas e lindas flores. Diziam as pessoas, uns amores.

Hospitais às moscas, porque todos os seus súbitos tinham saúde, como certa ata de seu ministério alude.

De noite as ruas das cidades transformavam-se num mundo feérico, dava até para notar o friso da nova fatiota de certo janota, acabada de estrear. Nas esquinas das ruas, nem “bichonas”, “nem bichinhas”, e nem as “minas”. Os noctívagos podiam passear pela rua, sem serem incomodados. De olhos postos só na lua...

Em certa época do ano, grupos de gente faziam tremular bandeirolas e bandeiretas, e tocavam pandeiretes e cornetas, pois era tempo de carnaval e outras tretas.

Havia muita gente, crente, mas também os agnósticos, e os ateus, “graças a Deus”... Era uma perfeita democracia, e todos viviam em harmonia, com muita aguardente e melancia.

Certo dia, depois de muito matutar, concluiu, melancolicamente: se não fosse certa imprensa que anda por aí a dizer verdades inconvenientes, até seria bom de ser governante. Num reino como o meu com tanta abastança, se não fossem medidas perigosas, para minha governança, decretaria o fim da democracia que é coisa muito enfadonha, e por consequência, a imprensa, esta grande heresia que dizem ser o baluarte da democracia. Mas o bom censo também me diz, ponderou: o povo tendo festança, circo e caipirinha, geladinha, fica na sua e melhor será se eu também ficar na minha. De resto, ele já tem tudo, para quê então gastar dinheiro do reino, para dar-lhe um canudo? Mais do que isso, convenhamos, seria um desperdício.

PS. Quanto aos velhotes aposentados eram todos muito bem remunerados, ajustados os seus valores, em percentual idêntico aos deputados e senadores...

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 08/02/2015
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