TORNEI-ME UM ASNO!

Ainda meio zonzo com a informação que a corrupção é uma velha senhora, fui dormir. Virando de um lado para outro o sono não vinha e enquanto me debatia na cama via a imagem de um gringo imbecil dizer que o povo protestando nas ruas do Brasil não eram eleitores da Dilma Vana ao lado de outro imbecil que antes havia falado abobrinhas, balangandãs e merda. Muita merda. Assistia um coronelete matuto, ministro da educação, metendo o cacete em cachorro grande, achando que na capital da República ele pode escoicear quem quer como faz no feudinho chinfrim dele.

Saí da cama e fui me servir de um trago; pensei num Jack Daniel’s, mas devido ao adiantado da hora e da circunstância optei por uma boa dose de Ardbeg 19 anos, por ser um single malte das ilhas escocesas e um dos mais complexos dessa região com intenso sabor defumado e aromas marinhos. Seu teor alcoólico elevado de 46% assim como seu preço - R$ 270 a garrafa – me faria dormir. Adormeci. E sonhei.

Sonhei que eu tinha 14 anos e fomos todos mandados do Colégio Rosário para casa. Getulio morreu! Atrevido e curioso com dois ou três colegas descemos a Rua da Praia e vimos o povo quebrando lojas, saqueando todas as que tivessem um nome estrangeiro. E a maioria tinha um nome estrangeiro. Foi a primeira crise política que assisti. Depois vieram outras sendo que de algumas delas participei diretamente; como estudante ou como profissional. Ao todo, contando com essa de agora, foram 5 ou 6.

Um sono inquieto me fazia sentir por todo o corpo uma estranha sensação. Alguma coisa – ou tudo – estava se transformando em mim; por dentro e por fora. Acordei cansado e o sol mal clareava a cortina do quarto. Eu estava maior. Mais gordo, nu, sem pele; coberto apenas com uma espécie de pelo. Não tinha braços; tinha pernas. Quatro pernas com patas. Girei o corpo e minha boca com dentes graúdos bateu na mesa de cabeceira; não tinha rosto, tinha um focinho numa cabeça com olhos grande postos aos lados e com eles via enormes orelhas.

Lembrei-me de Gregor Samsa, que, dormindo, metamorfoseou-se numa barata. Não era meu caso. Eu tinha sido autotransformado num asno. Não gosto dessa coisa de si mesmo e autorretrato, autobiografia, pois como FHC também acho isso muita pretensão; ou autoajuda, uma impossibilidade, e autodidata que é o mesmo que um ignorante ensinando outro.

Minha autotransformação num asno, entretanto, foi por indução voluntária; de espontânea vontade, provocada para não enlouquecer ou me tornar um palhaço, no sentido ofensivo da palavra. Sei que com isso encerro o desejo de um dia voar e me tornar invisível. Mas meu último desejo, assim como foi o de Noel Rosa, digam que me viram voando por aí e que, de repente, desapareci e reapareci, pois me tornei invisível.

Sempre achei que a melhor saída do Brasil fosse o aeroporto. Mas hoje nem isso é mais possível porque, como disse Millôr Fernandes – ou teria sido Nelson Rodrigues? – “Brasil: se cercar vira hospício. Se cobrir vira circo!” Agora, enfim, cercado e coberto, sem céu, nem avião sai daqui. Sendo assim, tornei-me um asno. Uma subespécie de mamífero. Mas também podem me chamar de burro, jumento, jegue, jerico; menos de Dilma, pois não aceitamos ofensas e nem comparações “apequenadas”. Temos muito mais do que apenas um neurônio.

Somos dóceis, prestativos, trabalhadores, comemos apenas capim, bebemos pouca água, ouvimos tudo em silêncio, não mentimos nem enganamos os humanos e somos mitológicos, fabulosos, personagens literários e iconográficos. Estou orgulhoso, satisfeito e, sinceramente, vaidoso sem nenhuma modéstia à parte.

Soube a pouco por um velho asno que pastava alegremente que sou ancestral de asnos históricos e que nossa espécie existe a mais de 5 mil anos. Que maravilha! Um asno carregou Sancho Pança e ajudou Dom Quixote a enfrentar moinhos de vento que lhes pareciam ser monstros.

É certo que também nos maltratam muito. Shakespeare nos usou como símbolo de ignorância. O menino que andava com Pinóquio, por ser muito mau, foi transformado num jumento. No nordeste, só porque somos muitos, nos abandonam e ingênuos que somos atravessamos estradas sem olhar pros lados e morremos atropelados por enormes caminhões; do tamanho de um Palácio do Planalto. Ou de um prédio daqueles alinhados na Esplanada dos Ministérios. Bem que parecem!

Fora isso, somos muito ocupados; nós carregamos pesados barris com água, um de cada lado do lombo, sertão adentro, todos os dias o dia todo. Não nos importamos; estamos fazendo nosso trabalho a séculos, levando a água que os “coroné promete” que um dia “vai moiá o sertão tudim cabano coessa secura”.

Jumento, jegue, burro ou asno são todos a “mema coisica” – ói só! já tô falano inté com jeitim dels. Foi um asno, que chamam de burrinho, que levou Maria, grávida, pra Belém, na Palestina sob o domínio do Império Romano e que hoje, depois de invadida pelo judaísmo sionista do leste europeu, com o “aval” da ONU e de nosso gaúcho Oswaldo Aranha, pretendem eliminar do território e do mapa, árabes muçulmanos ou cristãos. Netanyahu quer a extinção deles e tomar para Israel toda a Palestina.

E lá, em Belém, numa cocheira, assistiu o nascimento de Yeshua e a ele cedeu seu cocho, luxuosamente também chamado de manjedoura, para que nele fosse acomodado. Viu três reis ditos magos e depois levou em seu lombo Maria e Yeshua, seu filho, guri recém nascido, até o Egito a quilômetros de lá. E foi um asno que 33 anos depois levou Yeshua, homem feito, no lombo a entrar triunfalmente em Jerusalém. Faz tempo isso. Se essa história é mito, lenda ou verdade histórica e teológica não me importa. Já pensava assim quando eu ainda era um ser racional; mas agora sendo asno sou parte do que seja.

Como asno recente que sou, guardo ainda algumas experiências humanas e estou pronto para ser presidente do Brasil. Não será caso inédito, pois não serei o primeiro. Mas o que me atrai é o gramado da frente do Palácio da Alvorada. Já sinto o aroma da grama fresca e bem cuidada e uma vontade incontrolável de pastar e depois dar zurros de alegria.

Sinto também, queridos leitores, uma acentuada difificuldade de esquecrever já que não tenho mais dedos. Minhas pataas esttao ccad vez maisss tlecand letãs eud nffffjj rldkif rmjruhslkldh bjhijrk kfjnikj ekdun cunulmn trx’

CESAR CABRAL
Enviado por CESAR CABRAL em 22/03/2015
Código do texto: T5178742
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.