Do esgoto

Tem numa rua atrás da minha casa, rua pela qual passo todo dia para ir ao matadouro de almas, vulgarmente conhecido como trabalho, uma vilinha. Ela tem um portão que não se fecha e moradores pobres, com a cara e a característica do rótulo que prenunciam suas mulheres de vozes finas e pouca elegância. Os homens fazem seu trabalho à base do álcool e má vontade. Lavam carros. Nós os julgamos, eles nos julgam. Somos todos iguais, mas não admitiremos esse fato. Esse local, o qual passo todo dia, me faz sentir o cheiro daquelas pessoas, o cheiro da merda que elas fazem em suas latrinas e a calçada regurgita para nos lembrarmos que, no fim das contas, das nossas tripas, sai a mesma coisa. Corre daquele portão aquela água de esgoto fedorenta, que me faz torcer o nariz todos os dias, e quando ela não está correndo, posso ver a calçada manchada pela rotina e não posso esquecer. Passar por ali e sentir aquele cheiro de merda me faz acelerar o passo, mas no fim das contas, me aproximo cada vez mais velozmente do local que faz meu sangue ferver de tédio. De pavor. De nojo. O trabalho, o abomino. Pouco se faz para me motivar, muito menos o salário estapafúrdio do final do mês. O cheiro da bosta me faz perguntar qual o sentido da minha vida. Eu não sou o protagonista, qual o propósito de ser o figurante, vivendo para sobreviver? Sem alegrias, sem vontade de nada mais. Apenas uma casca seca que se satisfaz com nada; que, melhor, apenas não se satisfaz. Meu coração não bate. Meu nariz passa pela rua procurando pelo cheiro da merda do esgoto que corre ali. Meus olhos julgam aquelas mulheres de vadias ou coisa pior. Olho para as crianças que brincam perto daquela nojeira e vejo futuros marginais. Como não poderia? Quem não garante que serão médicos, advogados? E quem garante que os médicos, ou advogados são melhores que os marginais? Pobreza não compra caráter. Um salve ao preconceito meu de cada dia. As pessoas conversam do lado daquele fedor. Elas riem dele.

Esses dias passei lá de volta do trabalho. Estava cheirando um bife acebolado. O cheiro era divino. Fiquei tentada a parar ali e ficar absorvendo aquele aroma saboroso. Afinal de contas, eu merecia. No dia seguinte, alguém cagaria aquele belo bife e me faria sentir o cheiro de seu excremento.

Edivana
Enviado por Edivana em 08/04/2015
Código do texto: T5199832
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