O FENÔMENO DAS QUADRILHAS ACÉFALAS

Fenômenos interessantes têm acontecido no Brasil nos últimos anos. Crimes são praticados contra o erário, envolvendo diversas pessoas, formando grupos distintos, cada um deles desempenhando papel específico, mas com objetivo comum: subtrair, de forma muito bem organizada, recursos dos cofres públicos, direta ou indiretamente.

A finalidade desses recursos, ou seja, em que serão utilizados, estaria contida em uma das seguintes hipóteses: pode ser para enriquecimento próprio, para financiar campanhas políticas, para compra de apoio político ou tudo isto junto ao mesmo tempo. Parece-me que a última hipótese seria a mais plausível.

Em duas oportunidades o fenômeno aconteceu de forma clara e inequívoca: a primeira na Ação Penal 470, popularmente denominada "mensalão". Neste caso, haviam pessoas comuns, chamadas de operadores, políticos, empresários e banqueiros. No julgamento da ação ficou clara e cristalina a colaboração entre os envolvidos, cada um desempenhando funções específicas, mas muito bem articuladas no seu conjunto, de modo a alcançar o objetivo determinado.

Pois bem. Não obstante a obviedade da comunhão de ações específicas para atingir o objetivo que, ao final, foi alcançado, o julgamento do caso concluiu que não houve, do ponto de vista legal, formação de quadrilha.

A nossa legislação é muito estranha. Se não é, permite ser interpretada de forma equivocada, propositalmente ou não, pelas nossas autoridades do poder judiciário, a ponto de contrariar o senso comum. Como não considerar que, claramente, houve formação de quadrilha, se cada grupo cumpriu o seu papel com maestria, de forma organizada e articulada com os demais grupos?

E também não houve denúncia, pelo menos ao que se sabe, da existência de um líder dessa prática levada a efeito e bem sucedida, que pensou, que concebeu, que planejou, que programou, que organizou as ações coordenadas dos grupos. Foi, portanto, uma organização criminosa que agiu sem planejamento, comando ou liderança? Dificilmente qualquer organização, criminosa ou não, consegue êxito sem os requisitos citados. Estranho, mas tivemos que engolir.

Nas atribuições das penas, outra decisão estranha. Enquanto os participantes que não pertenciam ao grupo político receberam condenações severas, os políticos receberam condenações brandas. Isso não faz sentido para qualquer pessoa que tenha um mínimo de lucidez, mas foi assim que aconteceu. Parece-me evidente que os demais grupos se subordinavam ao grupo político. E esse grupo não tinha chefe, era acéfalo?

Agora temos a operação Lava-jato para desvendar o escândalo da Petrobrás, denominado petrolão. Mais ou menos se repete o que ocorreu no mensalão. Estou dizendo isso porque assim me parece estar acontecendo. Mas temos que aguardar o desfecho das investigações.

Será que vamos ter um resultado semelhante ao do mensalão? Os políticos passam um pequeno período atrás das grades e os outros serão apenados com sentenças pesadas. Essa operação do petrolão também não teve um líder, um comandante, um articulador que, pelo menos, tenha dado o seu consentimento para um plano que exigiria, por sua complexidade e ineditismo, a formação de uma quadrilha? Ou o Brasil é um país tão criativo que consegue organizar quadrilhas sem comandante, acéfalas. É um fenômeno. Assim o Brasil não caminha por uma estrada que o leve para longe da vergonha. Pode existir situação pior do que termos que dizer que sentimos vergonha de ser brasileiros?

Augusto Canabrava
Enviado por Augusto Canabrava em 10/05/2015
Reeditado em 28/08/2018
Código do texto: T5236977
Classificação de conteúdo: seguro