Minha memória me trai

Minha memória me trai. Simplesmente assim, sem até ter muito o que dizer depois que a coisa toda se passa. Eu me passo por mim mesmo, e de todas as dúvidas, só me fica a certeza de que é correto duvidar. Confuso? Mas não estou mesmo aqui para dar respostas.

Minha memória me trai, e era só isso que tinha a dizer. Não sei direito o que acontece, mas parece que tempos vão e voltam em segundos. Épocas, eras, reinados e legislações transitam em minha mente por segundos, horas e curtas eternidades.

Minha memória me trai, e isso é fácil de entender, tanto que eu preciso escrever para compreender de fato o que me ocorre. De boa, de verdade: sou jovem, não sei o que se passa, mas quando olho, tento tanta coisa que aconteceu, tanta coisa que foi sem ser na realidade. Mas realidade é exatamente o que eu quiser. O fato dela não existir, não quer dizer que não seja real.

Minha memória me trai, e lapidando os fatos, eu ainda espero minha cadela, minha eterna Safira me esperar na porta da área de serviço. Espero apertar a campainha e ouvir seus latidos. Num lapso, tudo me volta a poucos e muitos anos. De repente me pego programando uma visita a minha avó já falecida. Afim de rir, comer seu macarrão inigualável e conversar com ela, estou sem noção me apressando para ir na sua casa.

Minha memória me trai, e quando me resgato, estou querendo voltar para meu lar, mas numa construção de madeiras velhas já demolida pelo tempo, num lugar que só lembranças habitam. Esqueço que tenho sobrinhos, e que até mesmo estou no trabalho, ou no ar, ao vivo!

Me preocupo com os trabalhos da faculdade, o horário do ônibus, e me estapeio quando vi que esqueci um conteúdo importante, quando não lembro de algo que eu amo. Onde coloquei os documentos, como é o nome disso ou daquilo, e do que eu estava falando?

Já passou do almoço? Vai anoitecer logo? Eu tomei café? Minha memória me trai e dizem que isso é da própria criatividade, da loucura que se forma gente e com toda intimidade posso chamar de eu. E trai, trai tanto que eu mergulho em coisas que são inexplicáveis, inenarráveis e inlambíveis... Ok, esta última palavra eu inventei, afinal prezo que se não há a possibilidade de lamber é porque não existe.

Tem um passado gostoso, ingrato, com seu ônus e bônus, nem tão longe, mas nem tão em alta definição assim, que chega sem eu notar e joga confetes na minha cabeça. Tem uma festinha das recordações para a qual fui convidado e dopado fiz questão de comparecer e dar um discurso. Tem uma Cinderela que saiu correndo, e esqueceu o sapato das horas dentro do meu cérebro.

Tem, aham, tem sim, um tempo doido que mexe comigo e me faz perder a noção de vez em quando.

Me absorvo num sopro tão efêmero e profundo que dejavu é rotina e consigo me esquecer até de quais coisas já tinha esquecido!