Me ajuda que tá caindo

Esta é uma história real, ocorrida há quase que trinta anos e se o tempo decorrido me permite contá-la hoje, em seus mínimos detalhes, já que integra as lembranças de um tempo que passou e que deixou saudades; por questão de ofício, não posso identificar seu personagem principal, este bom amigo, notório sindicalista, ex-candidato a deputado e que alardeia que um dos fundadores do PMDB, ora ocupando importante cargo em Brasília, como assessor de um respeitável Senador.

Tudo começou quando esse amigo resolveu mudar-se para o Rio de Janeiro, em busca de melhores oportunidades profissionais e, em tempo de dureza para todos nós, permiti que ocupasse parte do quarto que alugara, na Tijuca.

A casa de Dona Linda, uma respeitável senhora de quase que 80 anos, era um sobradinho de dois andares, geminado com outros seis de cada lado, localizado em uma daquelas típicas vilas tijucanas, com árvores ao centro e onde a vida transcorre calma, serena, bucolicamente.

A casa, bem antiga mas bem cuidada, era entulhada por móveis antigos, pesadões, cristaleiras que dificultavam o acesso aos dois quartos localizados no andar superior, um que ocupávamos e, contíguo, o outro quarto, alugado por duas moças, uma delas lindíssima, cujo corpo escultural todas as noites admirávamos, como “voyeurs”, pelos buracos que fazíamos na porta de madeira que os separavam.

Em uma tarde de domingo, estava cochilando após o almoço e descansando de uma manhã de praia, quando, no que julguei ser um sonho, em meio ao som de móveis caindo, vidros quebrando, passos atropelados soando forte na escada de madeira, ouvi gritos distantes, uivos de dor:

- Socorro, Henrique. Me ajuda que tá caindo!

- Socorro, Henrique. Me ajuda que tá caindo!

Bastante sobressaltado, ainda meio que dormindo, eis que o nosso amigo adentra o quarto, arrombando a porta e jogando-se pelado e de pernas abertas sobre sua cama, abanando-se com uma providencial revista , ainda gritando:

- Me ajuda, Henrique, me ajuda que tá caindo!

E eu, apavorado e sem saber o que estava acontecendo e até mesmo como ajudá-lo, julguei até que algum vizinho houvesse castrado nosso bom amigo, talvez pego em flagrante pelado em sua casa, com aquele físico de atleta de Biafra e carente de sol (bem diferente dos tempos atuais):

- Pô, cara, calma! Conta o que houve...

E, já mais aliviado em seu desespero, ainda abanando-se com a revista e chorando de dor, contou-me que, em suas incursões sexuais, havia pego “chato” (para quem não sabe, "chato" é um carrapato que insiste em se alojar nos pelos pubianos) e que lhe haviam receitado Lisoform, santo remédio, contudo sem avisar-lhe que nunca deveria ser usado puro, mas sim diluídas algumas gotas em alguns litros d’água.

E nosso amigo, após depilar-se e tomar banho, a fim de se livrar de uma vez por todas do problema que o afligia, derramou todo o vidro de Lisoform em suas partes infestadas, o que causou todo o rebu e uma conta a mais para eu pagar, pelos móveis e vidros quebrados.

Se hoje torno pública esta história, mesmo que preservando integralmente sua identidade, o faço por vingança, reconheço, pelas inúmeras noites que perdi de sono, acordando de madrugada e não mais conseguindo dormir, morrendo de rir a cada vez que o via deitado em sua cama, dormindo, já aliviado de seus “chatos”.

LHMignone
Enviado por LHMignone em 24/09/2005
Reeditado em 03/02/2017
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