ELAS NÃO USAVAM JEANS

ELAS NÃO USAVAM JEANS

Maria Teoro Ângelo

Era fins dos anos cinqüenta e começo dos anos sessenta o período para o qual lanço o meu olhar. O que vou dizer se refere ao comportamento dominante da época. É claro que quem se desvirtuava dos códigos estabelecidos pagava com o peso da desonra e do desprezo pela sociedade, que fazia questão das aparências.

As moças usavam o uniforme azul, de saia pregueada, blusa branca com o monograma da escola e meia soquete nas numerosas classes de normalistas. Era a maneira rápida de se conseguir uma formatura, um emprego e casar, a aspiração máxima de toda donzela de dezoito anos. Poucas continuavam os estudos, geralmente numa cidade grande.

Quando a filha partia, as mães choravam um mês inteiro por não terem mais a pupila sob seus olhares vigilantes e severos. Para qualquer evento social, um baile ou carnaval as moças deveriam ir acompanhadas pelos pais, pela mãe, um irmão mais velho ou alguém considerado responsável.

Pouco decote, saias rodadas em godê, sapatos de bico fino, cabelos lisos ou curtinhos e anelados. Pouco a pouco veio o tubinho e muitas transformavam as saias fartas no novo modelo. Vestidos em renda-de-fita, golinhas bordadas com miçangas, a moda do branco e preto e a fixação nos cabelos longos e lisos conseguidos à custa de muito esforço. Nada de chapinha ou escovas progressivas. Muitas os passavam a ferro e passavam o dia com as madeixas enroladas em forma de touca.

O horário para sair de casa era logo que escurecia e nove e meia ainda estava dentro dos limites suportáveis. Dez horas era um pecado imperdoável. Não digo que as moças aceitavam as regras . Cumpriam-nas com resignação. E daí vinham as mentiras, quase sempre acobertadas pelas mães. O chá-dançante virar estudo para uma prova, dormir na casa de amigas de pais mais tolerantes, inventar aniversários eram alguns dos recursos de que se lançava mão.

Mas havia muitos pretendentes para tão castas meninas. Um amor feito de recados, de olhares furtivos, de namoros clandestinos, de emoção de andar de mãos dadas pela primeira vez. O primeiro beijo e o resguardo da pureza para o casamento. O sonho de um colarzinho de pérolas, um pequeno anel de brilhante, o anel de formatura e por fim a aliança de noivado.

Mesmo noiva uma moça de família jamais sairia de carro sozinha com o noivo. Tudo muito vigiado em nome da moral e do sossego dos pais. Quando acontecia de a moça se” perder”, era o assunto dos mexericos e um casamento apressado marcava para sempre a vida dela e das filhas que viesse a ter.

Os passeios eram nas praças públicas apinhadas de gente. Nada de barzinhos. Muitos pretendentes eram preteridos porque tomavam uma inocente cervejinha. E as casas deixavam as portas abertas, encostadas por uma cadeira para tão somente evitar o vento ou um cachorro vadio. Muito sossego e a vida passava lenta. As mulheres raramente trabalhavam fora. Havia pouca oferta de bens de consumo e com pouco dinheiro se vivia.

O cinema era a grande diversão e nem a televisão incipiente fazia as mocinhas deixarem de se apaixonar platonicamente pelos astros de Hollywood. Dançar bolero ao som de músicas românticas. Ficar esperando que as tirassem para dançar, cometer pecado mortal se recusassem. Ler O Pequeno Príncipe para parecer inteligente, dizer não aos interessados alegando ser nova para namorar, usar os cabelos desfiados em coques ninho-de-passarinho, seguir a moda hippie, calças compridas só em piqueniques e não ter podido naquele tempo usufruir do conforto e praticidade de uma calça jeans. 21/06/2007

Lillyangel
Enviado por Lillyangel em 21/06/2007
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