O EXORCISTA DA LOMBA

O EXORCISTA DA LOMBA

“Entre o céu e a terra há mistérios que, nossa vã filosofia não consegue entender”.

Era uma tarde de um verão quente como se costuma dizer lá na terra de fazer despencar rolas do céu. Naquela tarde como nas outras tardes de verão à hora da sesta, em que parece que o mundo pára, as pessoas procuram o refúgio da sombra das latadas nos pátios de suas casas a botar conversa fora e para renovar as forças para as lides do campo.

A passarada em bandos procura refúgio nos valeiros, para desfrutar da sombra e se saciar da água fresca sempre corrente que por eles desce.

Lembro-me de um bando de apetecidas perdizes (que eu escondido ficava a namorar, sobre um velho muro de pedra) à sombra de viçoso arvoredo à beira dum córrego de água cristalina e fresquinha que nascia um pouco acima, ali na serra.

Aquela tarde de verão deveria ser como as outras tardes calmas, mas um fenómeno novo e extraordinário lá p’ras bandas do povoado da Lomba haveria de transformar essa tarde para sempre do pacato povoado.

A malta miúda, nos quais este se incluía costumava à hora da cesta esgueirar-se à socapa dos pais, para nadar e se refrescar nas águas apetecidas do seu rio e dar vasão às suas energias acumuladas, mergulhando e saltando de um improvisado trampolim ali existente junto ao rio, um velho carvalho. Pois, naquela tarde, a turma desistiu dos seus quase suicidas mergulhos, e se encaminharam para a eira, onde o seu companheiro guardava naquela tarde da cobiça das galinhas que andavam à solta, o precioso milho em grão que estava ali para secar e posteriormente ser recolhido para depois ser transformado em farinha.

Chegados, pois, à eira e sem mais delongas fazem o convite para irem todos juntos até à lomba. Naquela tarde as bicudas devem ter rebentado o papo de tanto grão e tirado a desforra dos dias que eram enxotadas à pedrada.

Aos poucos também iam chegando os vizinhos, lá do lugar da Lomba, já acostumados às estropolias que se iam sucedendo com uma pobre criatura recém-casada que diziam estar possessa pelo mafarrico. Seu nome Maria e chamavam-lhe Maria da Louza por ser natural deste povoado.

De repente, eis que a desditosa jovem senhora começa a escorregar lentamente arca abaixo, onde estava sentada, como se estivesse toda desvertebrada, até ficar inerte e estendida sobre o piso da casa. Ficava de boca entreaberta, e parecia desfalecida. Eis senão quando, começa a emitir uma voz muito fininha, que em nada se parecia com a sua voz a que todos lhe estavam acostumados a ouvir, e dizia coisas sem nexo, absolutamente estapafúrdias.

Como de costume, estava também por ali o Nano agora investido por conta própria das funções de exorcista. Era cunhado desta que, à falta de um exorcista melhor, ele mesmo tomava a si o penoso encargo de expulsar o tal demónio. De crucifixo em punho, fazia sobre ela o sinal da cruz, e entre outros despautérios, em alta e sonora voz exclamava: sai dela diabo, sai dela. Então, inexplicavelmente, forças estranhas apossavam-se daquele corpo, e era preciso dois a três homens para subjugá-la.

Como o exorcismo do Nano não resultasse, este enraivecido, enchia a coitada de pancadaria que as pessoas no início iam aceitando passivamente embora penalizadas da pobre Maria da Louza. – Diziam: se era para o seu próprio bem... coitadinha!... E todo aquele ritual foi-se repetindo por mais alguns dias, até que alguém achando aquela barafunda ir longe demais deu um basta e resolveu que teria de ser chamado o prior da terra, para fazer o devido exorcismo. O padre que nunca fizera exorcismos e não gostava de coisas tais, ao ser abordado foi categórico ao negar-se atender, pois o que eles deviam fazer era levar a senhora a um médico, pois tudo aquilo não passava de um grave distúrbio de saúde. Uns até concordaram com o padre, porém, outros ameaçaram que chamariam o padre do Mosteirinho, localidade que já fica em terras do Caramulo, algumas léguas dali e segundo eles diziam que tinha exorcisado casos semelhantes e que tinham resultado.

Não lembro como tudo terminou, mas, sabe-se que os ataques à Maria, entretanto, cessaram e tudo voltou à santa paz, em terras de Santa Maria Madalena. Mas a malta que aos domingos se reunia lá no Cruzeiro ao jogo da malha, mal lobrigavam a figura do aprendiz de exorcista lascavam a uma só voz: sai dela diabo, sai dela, sai dela...

Eduardo de Almeida Farias
Enviado por Eduardo de Almeida Farias em 07/10/2015
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