Cara, a gente é um monte de pó

Meu pai é daqueles que não pode ver um pavê. Todo churrasco, almoço de final de ano, o raio que o parta, ele quer ser o primeiro a perguntar "é pavê ou pacumê?". É pai, é família, a gente deixa pra lá. Agora hoje eu lembrei muito dele. Dentre todos os ditados e gracinhas que ele solta, uma me fez sentido, "para morrer, basta estar vivo".

Não, eu não passei nem perto da morte, graças a Deus, mas me senti um nada. Levantei como todos os dias, com a bexiga cheia e o celular despertando as quatro e cinquenta da manhã. Escovei os dentes, me troquei, tomei café, meu comprimido diário para problemas capilares e coloquei meus fones de ouvido e sai trancando a porta em direção a estação de trem.

Até aqui, vida normal. Passa uma estação e começo a sentir um mal estar. Pensei "mas que saco, to sentadinho, poxa". Tirei a blusa, por que deu calor. Ânsia de vômito. Que inferno. Sim eu não me permito passar mal, eu tenho muita coisa pra fazer, não tenho tempo pra isso. Tudo bem né?! Meu organismo venceu, eu saltei na estação seguinte e pedi pelo amor de Deus pro guardinha me falar onde havia um banheiro por que eu não estava me sentindo bem. Descobri que aquela hora os banheiros ficam trancados. "Bora" usar o de funcionários. Botei as tripas para fora, pensando enquanto isso, o que será que comi de diferente.

Voltei para a plataforma. Pulei para dentro do trem. Saltei nas três próximas estações para botar os órgãos para fora, por que meu café eu ja tinha visto sair da primeira vez.

Já fui mandando mensagens de texto para o celular da minha chefe, por que tantas paradas iria me fazer chegar atrasado. Cheguei cinco minutos depois do horário. Bati o ponto. Fui para o banheiro. O segurança entrou, me tirou de lá, me botou de frente ao ar condicionado, uma enfermeira, colega de trabalho, chegou para prestar os primeiros socorros. O corpo inteiro começou a formigar, os dedos das mãos entortaram, a boca enrugou, comecei a chorar de desespero e o braço esquerdo doendo. Foram me acalmando, fui controlando a respiração. De repente, aquele evento na porta da empresa. O carro do SAMU pra me buscar.

Cheguei no hospital, normal. Sem dor, pressão normal, batimentos ok, reflexos perfeitos e condições vitais nos conformes. O doutor me fez várias perguntas, nada relacionado ao que eu comi e sim como estava a minha vida. Em casa, no trabalho, com os amigos, vida financeira, amorosa e assim por diante. Diagnóstico: stress.

Quem me conhece, sabe que eu sou o ser humano mais calmo do mundo. Sem sarcasmo, eu sou mesmo. Uma paciência de Jó, meu trabalho não me cansa a esse ponto, fiz uma retrospectiva e não consigo achar o problema. O médico me solta a seguinte frase "alguma coisa ficou mal resolvida". Mas o quê? Inclusive me receitou uma espécie de calmante, mas me garantiu que não é isso e disse que se eu tivesse esse sintomas de novo, seria legal procurar um psiquiatra.

Cara, nós somos um monte de pó. Hoje você está bem, amanhã Deus sabe. Nosso subconsciente trabalha as coisas mais horrendas, cheguei a essa conclusão. Pode ser que eu saiba o que é, pode ser que eu não saiba, o que eu sei é que se deve tomar cuidado. Resolva suas pendências, converse com as pessoas. Tenha atitude. Vença teu orgulho. Faça o que tem vontade. Dane-se o que os outros vão pensar. Tenha Deus no coração. Por que no final, quando tudo der errado, só vai sobrar você. Pó.

Gustavo Barreto
Enviado por Gustavo Barreto em 20/10/2015
Código do texto: T5421127
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