você esta dentro de um abismo profundo, quanto mais cava mais distante fica do fundo

Queria estar longe, bem longe, distante, ausente...

Do profundo abismo que cavamos para nos mesmos, uma sepultura de humanos vivos onde cada casa se torna uma sepultura, ao invés de cruzes com nomes cravados são distinguidas por números sucessivos.

Do atenuante caminho que todos seguem sem cessar, sem saber o destino e nem a razão de segui-lo, mas mesmo assim seguem pelo simples fato de “estar seguindo alguém”.

Dos homens intitulados de senhores ilustres, nobres, poderosos dono das posses, mas que não reconhece nem a si mesmo quando está sozinho e tem que se olhar no espelho e ver seu rosto moldado em seu espelho requintado, incapaz de agir só com as mãos e o sentimento, para acariciar sua “ainda mulher”.

Das manhãs que geram as tardes e das tardes que geram as noites, e das noites que geram novas manhãs, uniformes, despertadores, horas vendidas, almas vencidas que usam botas com bicos de ferro.

Dos cardápios mecanizados de todo dia, um prato cheio de mesmice, servido em mesas fartas de intolerâncias, feitos no fogão de seis bocas da ganância.

Dos pátios extensos repletos de maquinas e varias criaturas cabisbaixas forjando em fornos (que não assam comidas) em tanques (que não banham as donzelas virgens) em moinhos (que não são de ventos), em nome da produção (que não é da sétima arte). Das rebuscadas construções intituladas templos, que acumulam a cada dia mais riquezas, e exibem suas adoráveis imagens com vestes requintadas enquanto seus seguidores na maioria das vezes maltrapilhos são revestidos somente pela fé.

Das explicações que viram lições, das lições que viram deveres, dos deveres que viram obrigações, das obrigações que viram meios de vida, e dos meios de vida que viram produção.

Dos fungos, vírus, bactérias e “Sanguessugas”.

Dos manipuladores de marionetes humanas no circo coberto de lona; azul, verde e amarelo dos palhaços que vestem ternos e gravatas.

Das suntuosas construções modernas feitas por homens antigos, com suas janelas torneadas de vidros maciços e blindados, numa constante visão do contraste social que faz ver os mendigos perambulando pelas ruas sem rumo e sem teto.

Dos estrangeiros que por aqui se instalam, e se tornam “donos” nos impondo seus costumes, seus hábitos e principalmente suas arrogâncias.

Do monopólio que não nos da nem uma simples e oportuna escolha, do sistema (que não é um sistema solar).

Dos olhares irônicos, das falas maliciosas, dos risos sem graça, da vida sem tempero, do sabor amargo da tristeza.

Dos super, mega, hipermercados, lojas, shoppings, butiques, lanchonetes, boteco, que nos fazem consumir ate sumir o ultimo e economizado trocado que vem da exploração humana.

Dos lixos acumulados que alimentam os urubus, dos esgotos que escorrem e molham os pés das crianças descalças, dos barrancos que desabam e enterram os simples desejos humanos de mais dias, das terras que revestem as sepulturas dos ex-vivos.

Das flores impermeáveis vendidas em floriculturas, das frutas sem sabor, dos enlatados de latas amassadas e enferrujadas, das carnes congeladas do espírito moído.

Dos carros que cospem fumaças pelas mesmas ruas e avenidas que transitam quem ainda vive da respiração.

Da decadência refletida nos olhos dos mais fracos em contraste com a eminente satisfação dos mais fortes.

Dos olhos que me perseguem nos lugares mais inusitados, das paredes que tem ouvidos apurados, das mulheres candongueiras com línguas que cospem fogo, dos que não tem o que fazer, mas tem o ofício de cuidar do que não lhe pertence.

Dos massivos ataques aos leigos desprovidos de atitudes e conhecimento que não podem opinar, e são obrigados a se renderem às sugestões ameaçadoras.

De mim mesmo que se estacionou nesse espaço como a sucata de um ferro velho, de mim mesmo que reclama mais aceita viver como um simples e mero ser inalterável, de mim mesmo que se condicionou a viver dessa forma com formula, com imposição, com preceitos, com situações diversas e adversas, com a luz incidindo em meus olhos confusos de tantas imagens, com a sombra de mim mesmo, que um dia vai tomar outro rumo diferente do meu, com meu espelho que reflete meu rosto a cada dia, e que se pudesse bater ou falar; ia me dar um tapaço na cara, e ia dizer: “você esta dentro de um abismo profundo quanto mais você cava mais distante fica do fundo”.