As marcas do trabalhista histórico

Leonel de Moura Brizola completaria, em 22 de janeiro, 85 anos. Na noite de 21 de junho de 2004, fomos surpreendidos pela notícia de sua morte. Naquele momento, lembrei-me dele, duas décadas antes, discursando na esquina da Rua Halfeld com a Batista de Oliveira, sede do diretório do PDT em Juiz de Fora (MG). Fazia um sol forte, mas a multidão se acotovelava para ouvir e aplaudir o líder nacionalista, que lembrava as dificuldades do exílio e falava do Brasil com que sonhávamos… Lembrei-me dele nos programas do PDT, nos acalorados debates nas campanhas presidenciais de que participou, nas suas investidas contra a superpoderosa Rede Globo… Lembrei-me e escrevi Povo brasileiro!…, singelo tributo deste brasileiro.

Povo brasileiro!… Assim, Leonel Brizola iniciava seus pronunciamentos nas inserções do Partido Democrático Trabalhista na televisão. E podiam-se esperar mensagens de nacionalismo, de amor ao país, de defesa de nossas riquezas, de nosso patrimônio público, de combate à espoliação internacional. Ultimamente, ele questionava, na tevê, os rumos do governo de Luís Inácio Lula da Silva, a quem apoiara na campanha presidencial.

Já nos tínhamos acostumado com aquele patriota idoso, saudável, lúcido, fluente e de fala compreensível, a transmitir de forma didática sua mensagem. Era um amigo dos brasileiros! De repente, embora não padecesse de enfermidade alguma, Brizola parte e priva o Brasil de sua voz altaneira.

Com a experiência de quem foi prefeito, deputado e três vezes governador, Brizola apresentava soluções alicerçadas em seu intransigente nacionalismo. E se hoje questionamos tarifas e atendimento de antigas empresas públicas que se privatizaram, certamente nos lembramos de que ele tinha avisado e tinha lutado com o melhor de suas forças contra a transferência dos bens nacionais.

Brizola catalisava as massas, que se encantavam ao ouvi-lo, pois falava com o coração, com a força que vem da alma, com coragem para desafiar os grandes e poderosos. Foi assim que, como governador do Rio Grande do Sul, comandou a Legalidade, em 1961, através de uma rede de emissoras de rádio, e permitiu a posse de João Goulart na presidência da República, solapando um golpe contra a Constituição.

Povo brasileiro!… Ah! Quando vai aparecer de novo um político que, como candidato à presidência da República, colocará como prioridade das prioridades a educação de nossas crianças?! E foi assim nas duas vezes em que concorreu à presidência… E Leonel de Moura Brizola falava com a autoridade de quem construiu milhares de pequenas escolas no Rio Grande do Sul e muitos CIEPs no Rio de Janeiro.

Brizola, ele mesmo um homem humilde, que cursou Engenharia com dificuldades, era também um amigo da cultura popular e, governando o Rio de Janeiro, construiu, em 1984, o famoso sambódromo, obra imediatamente imitada pelo Brasil afora.

Anos a fio, a televisão tem transmitido no Rio e em outros estados os desfiles de escolas de samba em sambódromos; é bem possível que os apresentadores nunca tenham esclarecido aos mais jovens que a primeira dessas passarelas surgiu no governo de Brizola, no Rio de Janeiro.

Povo brasileiro!… Ele falava e calava fundo em nossas consciências… Pouca repercussão, entretanto, as suas posições tinham na grande mídia. Nem parecia a voz de um dos mais importantes políticos brasileiros de todos os tempos.

Traído pelo coração, Brizola se cala para sempre… Às 21h20min de 21 de junho de 2004, falecia Leonel Brizola. Quem acompanhou pela tevê viu uma cobertura certamente do tamanho do estadista que ele foi, mas, certamente, também, inimaginável, a julgar pelo tempo exíguo com que a mídia contemplava o ex-governador.

Leila Richers, na TVE, noticiou e terminou o jornal emocionada. Chico Pinheiro dedicou grande parte do Jornal da Globo a Leonel Brizola e, para Paulo Henrique Amorim, na Record, a notícia da noite praticamente foi só o inesquecível gaúcho de alma arrojada.

Aqueles minutinhos que ele tanto queria de mídia, em vida, vieram, depois de sua morte, aos borbotões… Os noticiários resgataram-lhe a história e registraram depoimentos de amigos e adversários, que avaliaram a sua trajetória. Todos foram unânimes: Brizola deixa uma lição de coerência e de fidelidade a seus princípios.

Quando Lula se elegeu, muitos imaginavam ver Brizola no ministério do metalúrgico. Ele não pediu nada para si, até porque sempre conquistara os cargos através das urnas. O governo tomou seu rumo (o futuro dirá se caminhou correto!). Brizola foi para a oposição e aos quatro cantos bradou seu descontentamento. Morreu, politicamente ativo e fiel a seus princípios.

Na política brasileira – de conchavos, conveniências e tráfico de influência lesivos aos interesses da pátria – falta hoje uma voz que combata tudo isso com a autoridade de uma vida proba e dedicada ao país. Brizola não morreu! Seu legado permanece, povo brasileiro!…

Publicado originalmente, em 16 de janeiro de 20O7, no Observatório da Imprensa:

http://observatoriodaimprensa.com.br/marcha-do-tempo/as-marcas-do-trabalhista-historico/